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New York Times

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Romênia revê passado brutal em julgamento

Por ANDREW HIGGINS

BUCARESTE, Romênia - Lembrado como um sádico brutal pelos detentos que sobreviveram às prisões que ele dirigiu, Alexandru Visinescu ferve com uma fúria violenta.

"Afaste-se da minha porta, ou quer que eu pegue um pau para espancá-lo?", gritou o ex-comandante de prisão de 88 anos quando o repórter bateu recentemente em seu apartamento, no quarto andar, no centro desta capital.

Assim como outras autoridades do antigo governo comunista, Visinescu -hoje aposentado e corcunda- não gosta de ser perturbado. Até recentemente, ele foi deixado em paz, com uma pensão generosa e um apartamento confortável, cheio de fotografias P&B dele jovem e forte, de uniforme. Fazia passeios tranquilos em um parque próximo.

No início de setembro, promotores de Bucareste anunciaram que Visinescu será julgado por abusos da era comunista, o primeiro caso desse tipo desde que a Romênia executou o ditador Nicolae Ceausescu, em dezembro de 1989.

O caso trouxe a esperança, para as vítimas, de que a Romênia possa finalmente se livrar da amnésia nacional sobre seu passado brutal e reexamine uma cultura de impunidade que alimentou a corrupção e restringiu o progresso do país, apesar de sua entrada na UE em 2007.

Entretanto, Dan Voinea, professor de criminologia romeno, disse que as elites econômicas e políticas do país ainda são dominadas por ex-comunistas, seus parentes e aliados, "que querem garantir que os crimes do comunismo nunca sejam revelados ou processados seriamente".

A Romênia sob Ceausescu foi o governo stalinista mais autoritário da Europa Oriental, um pesadelo paranoico em que uma em cada 30 pessoas trabalhava como informante para a impiedosa agência de segurança Securitate.

"A corrupção tem uma grande ligação com o fato de não falarmos sobre nosso passado", disse Laura Stefan, do Expert Forum, grupo de Bucareste que faz campanha para reforçar o regime de direito.

Stefan duvida que as autoridades tenham realmente a intenção de colocar Visinescu na cadeia. O que alimenta essa dúvida é o fato de Visinescu ter sido acusado de genocídio, o que será difícil de alegar em um tribunal romeno.

"Eles o acusaram de genocídio só para que possam fechar seu arquivo sem um resultado", disse Voinea.

Os críticos do governo dizem que o processo de Visinescu só foi realizado porque o promotor recebeu um arquivo detalhado do Instituto para Investigação de Crimes Comunistas, órgão semigovernamental em Bucareste.

Mas, para muitos, o processo de Visinescu é importante para responsabilizar em certa medida, pela primeira vez, um sistema penal que não apenas submetia os prisioneiros a agressões físicas e psicológicas como também buscava exterminar os adversários do governo. Esse foi especialmente o caso da prisão de Ramnicu Sarat, a 150 quilômetros a nordeste de Bucareste, que era reservada a dissidentes políticos. Visinescu comandou a prisão de 1956 a 1963.

"O mal tem um rosto hoje na Romênia", disse Vladimir Tismaneanu, professor na Universidade de Maryland (EUA) que chefiou uma comissão em 2006 criada pelo governo romeno para examinar os crimes da era comunista em geral.

Aurora Dumitrescu, que foi presa em 1951 aos 16 anos e enviada a uma prisão feminina dirigida por Visinescu, lembra dele como "uma fera". Ela disse que ele adorava mandar as detentas para o "quarto escuro", quarto de concreto sem janelas usado para espancamentos. "Para ele, nós éramos apenas animais."

Visinescu disse que não pode ser responsabilizado por decisões tomadas por superiores. Insistindo que "nunca matou nada, nem mesmo uma galinha", Visinescu disse que meramente executava as regras da prisão.

"Sim, pessoas morreram", disse. "Mas pessoas morreram em outros lugares também. Elas morreram aqui, lá, em todo lugar. A comida e outras condições estavam todas de acordo com o programa. Se eu não tivesse seguido o programa, teria sido demitido."

Mesmo algumas de suas vítimas se perguntam por que só uma figura relativamente pequena de tanto tempo atrás está sendo processada.

"Os chefes são muito mais culpados que ele -era o sistema", disse Valentin Cristea, 83, o único ex-detento da prisão Ramnicu Sarat que ainda vive.

A comissão de Tismaneanu descobriu que mais de 2 milhões de pessoas foram mortas ou perseguidas pelas autoridades comunistas.

"As pessoas que governam hoje vêm todas desse sistema, por isso elas não querem punir seus crimes", disse Anca Cernea, que dirige uma fundação dedicada ao regime de direito e à memória dos prisioneiros políticos. "Todos eles dizem 'vamos esquecer e seguir em frente'."

Visinescu, ela acrescentou, "é definitivamente um monstro, mas não é o único. Eles o atiraram para os leões para se salvarem. Ele cometeu crimes, mas não genocídio".


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