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Os erros na leitura da crise grega

Como a Moody's subestimou a dimensão da dívida grega

MILOS BICANSKI/GETTY IMAGES
Placas de "aluga-se" em lojas vazias no centro da cidade, no final de 2009; no começo daquele ano, agências de "rating" começaram a rever a qualificação dos títulos da dívida grega
Placas de "aluga-se" em lojas vazias no centro da cidade, no final de 2009; no começo daquele ano, agências de "rating" começaram a rever a qualificação dos títulos da dívida grega

Por JULIE CRESWELL e GRAHAM BOWLEY

Depois de passarem a maior parte da última década recomendando investimentos nos títulos públicos da Grécia, a Moody's e outras agências de classificação de risco estão sendo acusadas de terem interpretado mal ou ignorado os sinais negativos emitidos pelo país.

A Moody's manteve o "grau de investimento" dos papéis gregos mesmo depois de o país admitir, em 2004, que mentiu a respeito dos seus déficits para poder aderir ao euro, em 2001. Agora, as agências de "rating" estão na mira de autoridades reguladoras europeias por causa da suspeita de que o recente rebaixamento das notas de Itália e Espanha agravou uma situação já precária.

"As agências de classificação de risco fracassaram no seu trabalho", disse o eurodeputado alemão Wolf Klinz, autor de um relatório de 2010 que fazia críticas a essas empresas. "Eles se apegaram artificialmente por tempo de mais à sua nota original. Deveriam ter começado antes (a baixá-la)."

O caso da Moody's é revelador dos debates acirrados que cercaram os problemas gregos, de como a crença de que a Europa impediria uma moratória do país acabou sufocando as vozes discordantes, e de como, vendo em retrospecto, a agência conseguiu errar tanto.

Os lapsos da Moody's antes de 2010 estimularam a Grécia a acumular dívidas bilionárias, e os investidores a comprarem esses papéis. Agora, alguns desses investidores podem sofrer prejuízos de 50% sobre o valor de face dos títulos -os quais tinham o selo de aprovação da agência, mas que agora Atenas não tem mais como honrar.

Críticos dizem que, se as agências tivessem sido mais céticas quanto à capacidade dos países da zona do euro para contraírem empréstimos, isso poderia ter desacelerado o carrossel de dívidas da Grécia e de outros.

Ter uma boa nota de crédito tornava "mais fácil aumentar as dívidas" do que aumentar impostos ou realizar outros ajustes econômicos impopulares, disse Barbara Ridpath, que chefiou as atividades de "rating" da Standard & Poor's na Europa entre 2004 e 2008. As agências defendem sua atuação, observando que os investidores estavam muito mais otimistas do que as agências, já que os mercados exigiam dos papéis gregos juros apenas ligeiramente superiores aos da Alemanha.

"O mercado mal diferenciava entre qualquer um dos 16 membros soberanos da zona do euro", disse David Beers, diretor global de "ratings" da Standard & Poor's, numa audiência parlamentar neste ano no Reino Unido. "Nós diferenciamos essas opções desde o começo. O mercado ignorou essas opiniões por muitos anos."

Os tropeços das agências no caso da Grécia são apenas o mais recente capítulo em um setor que há anos enfrenta acusações de erros e conflitos de interesse. A empresa energética Enron, por exemplo, era classificada pelas três principais agências como "grau de investimento" até poucos dias antes de falir, em 2001.

O que mais condicionou a visão da Moody's sobre a Grécia foi que poucos na agência concebiam que os países do euro deixariam um dos seus pares dar o calote "Jamais pensamos em tal cenário catastrófico de estresse na zona do euro", disse Sara Bertin, que foi analista-chefe da Moody's para a Grécia até 2008.

Os bastidores

A equipe de especialistas em dívidas da Moody's -cerca de 12 pessoas- viaja o mundo, tentando avaliar o poder de crédito de cada país. Logo depois da Grécia ter se tornado parte da zona do euro em 2001, um debate surgiu com algumas pessoas defendendo que o país deveria receber um upgrade para ficar no mesmo nível da Itália. "Queríamos fazer um upgrade da Grécia baseado na crença de que o país era agora parte da zona do euro e que ninguém iria dar um default e que tudo estava seguro," lembra Bertin.

A Grécia é promovida

Logo depois da adesão grega ao euro, em 2001, surgiu um acirrado debate, já que algumas pessoas queriam promover o país, quase o equiparando à Itália. "Queríamos melhorar a nota do país, com base na crença de que a Grécia agora era parte da zona do euro, que ninguém nunca iria dar um calote, e que tudo estava seguro", lembrou Bertin. "A natureza do debate era quantos graus [a nota subiria]."

Qualificada com um fraco grau de investimento em meados dos anos 1990, a Grécia foi promovida para A2 quando aderiu ao euro, e para A1 na maior parte da década de 2000. Com essas boas cotações, o país tomou mais empréstimos. Em 2002, a Grécia pagava 5% de juros nos seus títulos públicos com vencimento em dez anos. Sete anos antes, pagava 15%.

Mas, no segundo semestre de 2004, as autoridades gregas admitiram que desde 1997 o déficit público havia sempre ultrapassado o teto estipulado pela UE, de 3% do PIB. A Comissão Europeia processou a Grécia por maquiar seus déficits, e disse que ela jamais deveria ter aderido ao euro.Pouca gente na Moody's se surpreendeu com isso. "Eu me lembro de que, sempre que a gente ia discutir os números fiscais gregos, era com um sorriso no rosto, porque a gente sabia que nem sempre eram as estatísticas mais precisas que estavam disponíveis", disse Vincent Truglia, que chefiou o grupo de dívidas soberanas da Moody's até 2007.

A Standard & Poor's reduziu a nota da Grécia, mas só ligeiramente, de A+ para A. A Moody's manteve a sua qualificação, alegando que isso se justificava pelo forte crescimento econômico e pela participação grega na zona do euro.Em janeiro de 2007, a Moody's alterou sua perspectiva sobre a nota grega para "positiva", depois de o governo grego anunciar que o déficit finalmente caíra a menos de 3%. "Crescimento havia. O setor de navegação estava ganhando fôlego novamente", disse Bertin, que foi a favor da melhora na nota.

Spyros Papanicolaou, ex-diretor-geral da Agência de Gestão da Dívida Pública da Grécia, disse que a Moody's recebia do governo grego de US$ 330 mil a US$ 540 mil por ano para avaliar a dívida do país. As outras agências recebiam quantias iguais.

Um porta-voz da Moody's disse que não comentaria honorários, mas garantiu que "os aspectos comercial e analítico do nosso negócio operam separadamente".

Em 2007, com o começo da crise das hipotecas "subprime" nos EUA, a Moody's passou a cortar custos. Bertin disse que os analistas de dívidas soberanas, que cobriam dez países, foram aconselhados a passarem menos tempo visitando-os.

Em 2008, a Moody's adotou uma nova metodologia para avaliar os países. "Era chamada de metodologia, mas era mais um 'checklist'", disse Bertin, observando que o termo "metodologia" sugeria uma análise profunda, o que não acontecia.

A metodologia foi introduzida por Pierre Cailleteau, diretor de "ratings" de dívidas soberanas da Moody's até o primeiro semestre deste ano. Ele disse que o sistema oferecia mais clareza na avaliação de um país, com base em fatores como instituições públicas e riqueza nacional. Segundo ele, os analistas podiam ser estimulados a passarem ligeiramente menos tempo em visitas a um país - dois dias em vez de três, por exemplo -, de modo a que os recursos pudessem ser aproveitados para um raciocínio de alto nível na sede.

A crise começa

No final de 2008, a Grécia estava inquieta. Uma greve nacional parou o país, o governo mergulhou no caos, e Atenas teve uma onda de distúrbios após a polícia matar um adolescente. Nervosos, os mercados passaram a exigir dividendos mais elevados sobre os títulos gregos.

Em fevereiro de 2009, um mês depois da Standard & Poor's rebaixar a Grécia de A para A--, e com a possibilidade de nova redução em curto prazo, a Moody's alterou a perspectiva da sua nota A1 de positiva para estável.

Joan Vidra, que trabalhou no grupo de dívidas da Moody's de 1995 a 2009, disse que havia "vozes dissonantes", mas que elas foram incapazes de convencer quem não via necessidade de rebaixar a nota grega para grau que indicasse o risco de moratória.

"Às vésperas do aperto global no crédito, a perspectiva mantida pela agência era de que a Grécia tinha uma nota relativamente baixa", disse Vidra. "A agência demorou muitíssimo para mudar o seu ponto de vista."

Enquanto isso, a Grécia entrava com tudo nos mercados de crédito em 2009, angariando US$ 67 bilhões, mais do que o dobro do valor obtido no ano anterior, segundo a Thomson Reuters.

As divergências dentro da Moody's voltaram à tona novamente no segundo semestre de 2009, numa teleconferência reunindo 15 analistas, depois de um novo governo grego anunciar que as finanças nacionais estavam em situação bem pior do que seus antecessores admitiam.

Mas, em 2 de dezembro de 2009, a Moody's divulgou um relatório argumentando que os temores dos investidores quanto à liquidez do governo grego só se materializariam se o Banco Central Europeu endurecesse seus critérios, ou se a nota de crédito da Grécia caísse vários graus.

Dias depois, outro concorrente, a Fitch Ratings, que havia rebaixado a nota grega em outubro, reduziu-a novamente para a menor qualificação de grau de investimento. Na semana seguinte, a Standard & Poor's fez o mesmo.

Cailleteau convocou outra teleconferência. Embora analistas acreditassem que era questão de tempo para a Grécia se recuperar, o grupo decidiu rebaixar a nota do país, mas só em um grau, para A2, com perspectiva negativa.

"O momento e o tamanho dos rebaixamentos subsequentes dependiam de qual posição iria predominar nos comitês de 'rating' - a dos que achavam que a situação havia escapado ao controle, e que reduções drásticas eram necessárias, contra os que achavam que não ajudar ou assistir a Grécia, de maneira a abalar a confiança, seria suicida para uma área financeiramente interconectada como a zona do euro", escreveu Cailleteau num e-mail.

A nota despenca

Finalmente, em junho de 2010, pouco depois de os líderes europeus aprovarem um pacote de US$ 147 bilhões para salvar a Grécia, a Moody's rebaixou a dívida do país em quatro níveis, colocando-a na categoria "lixo". A Standard & Poor's havia rebaixado a Grécia semanas antes, ao passo que Fitch esperou até janeiro de 2011.

O Fundo Monetário Internacional qualificou o rápido declínio das notas como uma "falha" das agências de classificação de risco.

"Se você olhar o fato de que esse é um país que irá declarar moratória na sua dívida, e que dois anos antes ainda era nota A, essa é uma queda muitíssimo íngreme", admitiu Cailleteau.

Em junho de 2011, logo antes de um segundo pacote de resgate à Grécia, o qual incluía a aceitação de prejuízos para particulares que detêm títulos do país, a Moody's derrubou a nota grega em mais três níveis, para Caa1.

Um porta-voz da Moody's disse por e-mail que as ações da agência refletiram o impacto de "condições de crédito em rápida evolução durante esse período".

Embora a Grécia sempre tenha tido uma das piores qualificações de crédito na zona do euro, os analistas da Moody's consideravam que os países mais fortes puxariam os mais fracos, disse David Levey, codiretor do grupo de dívidas da Moody's até 2004.

"Quando você tem o rebaixamento de múltiplas notas, ou grandes rebaixamentos de uma nota, é justo dizer como crítica que as notas estavam altas demais inicialmente", disse Levey. "Olhando para trás, isso indica que as suposições feitas no passado eram otimistas demais."

Niki Kitsantonis contribuiu com reportagem

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