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New York Times

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Inteligência/Marc Lambron

O rei não erra

Paris O "affair" Hollande nos faz lembrar que há duas maneiras de enxergar a vida privada de um estadista. Ou ele é padre ou é rei. Se é padre, ele só pode ter a nação como amante: o Estado é uma igreja, do qual ele é o pontífice nacional. Sua vida sexual é sacrificada em nome do bem-estar de seus concidadãos.

Já tivemos alguns sacerdotes na França. Robespierre, líder da Revolução Francesa que desencadeou uma onda de decapitações, foi um homem casto. O general Charles de Gaulle foi marido fiel que atuou como sacerdote pela glória da França. Os EUA também já tiveram presidentes do tipo sacerdote. Richard Nixon, Jimmy Carter e George W. Bush o foram, pelo menos até onde sabemos. Mas Franklin D. Roosevelt, John F. Kennedy e Bill Clinton comportaram-se mais como reis. Também já houve padres marxistas em outros países, como o venezuelano Hugo Chávez e os líderes da Coreia do Norte.

O que é um rei? É um homem que cita entre os prazeres da vida a companhia deliciosa de mulheres. Comandar Exércitos e firmar tratados são gestos de poder régio, mas esses atos não impedem homens de agirem como Frank Sinatra.

Na França, todos os grandes reis foram conhecidos pela beleza de suas favoritas, suas amantes legendárias, Diane de Poitiers ou Louise de La Vallière, Madame de Montespan ou Du Barry. Um rei da França que não teve amante, Luís 16, foi mandado à guilhotina por Robespierre, que tampouco as teve. Os monarcas franceses sempre vão preferir uma linda mulher à guilhotina.

Outras monarquias europeias se comportam de modo semelhante. Basta considerar as escapadas discretas do atual rei da Espanha, Juan Carlos. Pense nos filhos ilegítimos de Alberto 2° da Bélgica e Alberto 2° de Mônaco. Veja também o caso do príncipe Charles, da Inglaterra, que traiu Diana com Camilla Parker-Bowles, com quem depois se casou.

A França é ao mesmo tempo uma república e um velho país monarquista. Seus presidentes tendem a se comportar como reis. Em 1899, o presidente Félix Faure morreu no palácio do Eliseu durante encontro amoroso com sua amante, Marguerite Steinheil.

Todos os presidentes franceses desde 1974 foram mulherengos. Valéry Giscard d'Estaing tinha um fraco por atrizes e beldades africanas. François Mitterrand foi um Don Juan famoso e, em 1995, foi revelado que ele tinha uma filha que mantivera escondida, a jovem Mazarine Pingeot. Jacques Chirac tinha um apelido revelador: "Dez Minutos com Chuveirada Incluída".

Acreditava-se que ele preferia mocassins a sapatos com cadarço, porque eram mais rápidos de tirar em caso de desejo urgente. Nicolas Sarkozy divorciou-se quando estava no poder para se casar com a bela Carla Bruni.

Assim, temos nosso Luís 14 moderno, nossas Madames de Maintenon atuais. Temos até homens que gostariam de ser reis e se comportam como se estivessem andando com Du Barry numa carruagem puxada por cavalos. Assim era Dominique Strauss-Kahn, que pensou ser o rei da França, mas não passava de duque do Fundo Monetário Internacional.

François Hollande não constitui exceção à regra. Durante muito tempo, foi um jovem ambicioso, pai de quatro filhos que teve com sua companheira Ségolène Royal. Apesar de sonhar em se comportar como Dean Martin nos vestiários do cassino Las Vegas Sands, tinha que obedecer às regras do Partido Socialista francês, que, politicamente falando, é um partido de figurões rígidos e moralistas, de padres.

Mas ninguém na França deveria subestimar o personagem Tartufo, criado por Moliére no século 17, modelo do falso moralista que apalpa uma criada às escondidas, como um Elmer Gantry de peruca. Enquanto chegava mais perto do poder, Hollande começou a sonhar com a monarquia, que era acompanhada pelo acesso a mulheres.

De acordo com os "Kremlinólogos" da ciência socialista do amor, por volta de 2005 Hollande começou a ter um caso com uma jornalista bela e imperiosa, Valérie Trierweiler. Ela permaneceu por vários anos como sua amante escondida, nos bastidores. Então Hollande separou-se da mãe de seus filhos para viver com sua amante. Assim, quando foi eleito presidente da República Francesa, em 2012, Valérie Trierweiler apareceu ao seu lado.

Naquele momento, o roteiro futuro foi escrito: seduzido por uma longa dinastia de amores régios, o presidente Hollande não teria como deixar de ficar insatisfeito em pouco tempo com madame Trierweiler, sua parceira oficial. Precisava de uma Du Barry. Como diz o ditado, "o homem que traiu uma vez trairá novamente".

A Du Barry de 2014 tem o rosto de uma atriz charmosa de 41 anos, Julie Gayet. Como vivemos num tempo de paparazzi e telenovelas, os amantes foram descobertos por uma câmera oculta e as fotos foram publicadas numa revista de fofocas.

Hoje, George Washington receberia o mesmo tratamento que Kim Kardashian. E aqui estamos, com a notícia do "affair" tendo repercussão mundial e provocando uma reação esquizofrênica na França: o padre que vive dormente dentro de cada um de nós critica os desvios de um rei que podemos até mandar para a guilhotina. Mas os súditos do reinado refletem que um monarca apaixonado é um homem que tem coração. Quem sairá ganhando? Robespierre ou Félix Faure? Não há como saber.

Marc Lambron é romancista e colunista do semanário francês "Le Point". Tradução do francês ao inglês de Philippe Gélie.

Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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