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New York Times

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Inteligência - Bahey Eldin Hassan

Faraós e califas

Quando os líderes militares do Egito deram ao marechal de campo Abdel Fattah al-Sisi a luz verde para concorrer na eleição presidencial, prepararam o terreno para o surgimento do próximo faraó, um líder que vai governar com poder irrestrito, seguindo a tradição das civilizações egípcias mais antigas que foi encarnada por Hosni Mubarak, Anwar al-Sadat e Gamal Abdel Nasser. É provável que o marechal Sisi seja eleito por maioria arrasadora.

Os comentaristas que enxergam isso como inaceitável ingerência dos militares na vida política parecem ter esquecido que, em julho passado, eles próprios, com boa parte da população egípcia, saudaram a deposição do presidente Mohammed Mursi pelos militares. Esse fato justificou a intervenção dos militares e a reentrada deles na política, como resposta às demandas do povo.

As Forças Armadas egípcias ganharam a adesão de dezenas de milhões de pessoas. Entre seus partidários estão muitos dos políticos e ativistas jovens que gritaram "abaixo os militares" e arriscaram suas vidas ao longo de 16 meses de enfrentamentos após a revolução de 2011. Uma mudança tão dramática não teria sido possível sem o interlúdio de um ano ocupado pelo governo disfuncional e despótico da Irmandade Muçulmana. Após as eleições de 2012, analistas egípcios e ocidentais previram que a Irmandade permaneceria no poder por décadas. Afinal, argumentaram, a abordagem islâmica refletia as crenças religiosas da maioria dos egípcios.

Mas, em pouco tempo, os egípcios comuns perceberam que a Irmandade não apenas estava impondo uma visão do islã diferente da deles, como estava descumprindo promessas, e que seus representantes eram tão corruptos e desonestos quanto os políticos não islâmicos. Mursi pode ter sido o primeiro presidente democraticamente eleito do Egito, mas governou como califa, operando como se tivesse direito a poderes irrestritos. Quatro meses depois de ter sido eleito por não mais que 51% dos eleitores, Mursi emitiu declaração constitucional anulando os freios a seu poder por parte de outros setores do governo.

Os militares promoveram seu papel de salvadores, manipulando o medo de perda de identidade dos cidadãos e capitalizando em cima de teorias conspiratórias que visam fazer os egípcios acreditarem que seu país enfrenta uma ameaça existencial.

Diariamente, a mídia dissemina relatos fictícios sobre supostas agendas estrangeiras para enfraquecer o Estado egípcio, restaurar o regime da Irmandade Muçulmana, assassinar o general Sisi e desmontar o Exército, como no Iraque, na Síria e no Líbano.

Essa estratégia conquistou a adesão de muitos egípcios, que não reagem com ultraje aos contínuos assassinatos em massa e outros abusos cometidos pelas autoridades contra islâmicos e também não islâmicos, sob o pretexto do "combate ao terrorismo". No dia 25 de janeiro, terceiro aniversário da revolução, os enfrentamentos entre policiais e manifestantes deixaram cerca de 103 mortos.

O Egito nunca deixou de ser um Estado policial. Hazem al-Beblawi, o primeiro-ministro interino, diz que o país "é comandado por órgãos de segurança" que controlam a Presidência, o gabinete, a mídia e o Judiciário. Interrogatórios e sessões de tribunais acontecem em prisões, diretorias de segurança ou delegacias de polícia. A exigência de testemunhas oculares para identificar réus deixou de existir. Os mandados de prisão são emitidos por promotores depois de as prisões serem feitas.

Membros da Irmandade Muçulmana são detidos com base nos cargos que ocupam na organização, não em seu envolvimento em crimes. Quando os detidos pedem para ver um mandado de prisão, correm o risco de levar coronhadas na cabeça, como aconteceu com um blogueiro de esquerda, Alaa Abd El Fattah, e sua mulher, Manal.

Quando um destacado juiz internacional reviu o relato da prisão feito por Manal, descreveu-o como algo que remete aos tempos do apartheid na África do Sul.

Em meio à repressão à Irmandade, o aparelho de segurança mudou de foco e começou a visar jovens ativistas não islâmicos, sob o mesmo pretexto de "combater o terrorismo". No final de janeiro, o Ministério da Justiça criou cortes especiais para acelerar os julgamentos de "suspeitos de terrorismo". Manifestantes pacíficos também são encaminhados a esses tribunais.

Tarek Hussain, 20, foi condenado no ano passado por atacar a sede da Irmandade Muçulmana. No mês passado, fez parte das dezenas de ativistas jovens e não islâmicos detidos quando faziam um protesto no aniversário da revolução. Todos foram acusados criminalmente de fazer parte da Irmandade.

Sayed Weza, 18, membro do movimento liberal 6 de Abril, também participou desses protestos e foi morto. Seu último post no Facebook diz: "Por favor, digam à próxima geração que nós tivemos amor por nossa pátria!".

Weza expressou suas esperanças para os egípcios futuros, pois a história de sua geração é feita de repressão e esperanças sufocadas. O boicote de jovens ao referendo constitucional recente transmitiu a mensagem que a solução para o futuro do Egito não será encontrada nem em um califa nem em um faraó.

Restaurar um Estado policial vai apenas levar a instabilidade adicional, na medida em que uma nova geração de revolucionários egípcios se erguer em oposição à repressão.

Bahey eldin Hassan é diretor do Instituto do Cairo de Estudos dos Direitos Humanos

Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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