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New York Times

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Inteligência - Nadim Shehadi

Jogos e grandes barganhas

O conflito entre os Estados Unidos e o Irã se arrasta há mais de 35 anos, e ambos continuam em lados opostos nos confrontos por toda a península Arábica e além dela. Porém, é possível que eles se unam na luta contra o Estado Islâmico, o que alarma aliados dos americanos que temem as ambições do Irã.

Esses aliados, sobretudo na região do golfo Pérsico, estão nervosos com razão. Muitos dependem totalmente do apoio e da proteção dos EUA para sua soberania e segurança, e ultimamente têm se sentido menos amparados. Eles temem que as conversas sobre a questão nuclear entre os EUA e o Irã possam resultar em uma "grande barganha" às suas custas. Parece haver um problema sério de comunicação entre os EUA e seus aliados, e as tentativas americanas para acalmá-los não têm surtido muito efeito.

Na opinião desses aliados, talvez os EUA não estejam mantendo o jogo certo com o Irã. A percepção é que, enquanto o Irã usa a região como um tabuleiro de xadrez, os americanos estão jogando pôquer.

No jogo do Irã, todos os movimentos são interdependentes e calculados visando a meta final, um xeque-mate. No processo, algumas batalhas secundárias são abertas para desviar a atenção, armadilhas são montadas e peões ou outras peças mais importantes, sacrificadas. Adversários são manipulados com a antecipação de jogadas ou a provocação a outros. Os enxadristas do Irã são o regime Assad, o Hizbollah, o Hamas, a Jihad Islâmica e outros jogadores não oficiais patrocinados pela Guarda Revolucionária do Irã em toda a região. A vitória para Teerã é fazer os EUA cederem o controle da região.

No jogo de pôquer americano, cada rodada não tem relação com as demais. Tudo consiste em ganhar algumas, perder outras e limitar o prejuízo saindo do jogo a qualquer momento. O jogo depende de ter boas cartas à mão, mas também é preciso saber blefar na hora certa e entender as jogadas do adversário. Não há uma meta geral ou um inimigo permanente. Segundo alguns aliados, os EUA poderão abandonar o jogo subitamente e aliar-se ao antigo adversário.

Aos olhos de seus oponentes, a estratégia regional do Irã é clara e bem exemplificada pelos acontecimentos no verão de 2006, quando o país iniciou uma ofensiva regional reunindo todos os seus enxadristas no tabuleiro. Gaza inflamou-se com a captura de um soldado israelense, o que foi insuflado pelo Hamas e a Jihad Islâmica, que são do eixo de resistência liderado pelo Irã e a Síria. O Hizbollah libanês cruzou a fronteira israelense matando e capturando dois soldados israelenses, o que desencadeou a segunda guerra no Líbano. Simultaneamente, o Iraque mergulhou no caos provocado pela Al Qaeda e ex-baathistas no norte, e facilitado por milícias com patrocínio da Síria e do Irã no sul.

Em pouco mais de três meses, três aliados americanos na região, Mahmoud Abbas, da Autoridade Palestina, o primeiro-ministro Fouad Siniora, do Líbano, e o primeiro-ministro Nuri Kamal al-Maliki, do Iraque, enfrentavam problemas profundos.

Responsável por atiçar o fogo, o presidente Bashar al-Assad da Síria se ofereceu para "vender água", facilitando as negociações entre o Hamas e o Fatah, estabilizando o Líbano e controlando a fronteira com o Iraque. Em 2008, Assad foi confrontado e reabilitado, o que continuou até que o jogo mudou devido à Primavera Árabe e à irrupção da revolução síria.

A ascensão do Estado Islâmico no Iraque e na Síria também é percebida como consequência desse jogo. O Estado Islâmico inicialmente era composto basicamente por terroristas como os da Al Qaeda, que haviam saído de prisões sírias e iraquianas em 2011 e 2013. Ficou evidente que essa organização tem uma aliança tácita com Assad, pois explora o petróleo da região sob seu controle e combate basicamente a oposição síria, não o regime. Agora, Assad se oferece para ajudar a deter o monstro que ele mesmo criou.

Nesse ínterim, após a ameaça de colapso do Exército Iraquiano, o sul do Iraque está cada vez mais sob o controle de milícias apoiadas pela Força Quds do Irã. A possível aliança dos EUA com Assad e o Irã no combate ao EI é considerada como cair duas vezes na mesma armadilha, em 2006 e 2014.

Enquanto o Irã manipula esse tabuleiro, os EUA estão enredados em seu jogo. Os blefes são cada vez mais limitados, evidenciando a incapacidade da administração Obama de impor suas próprias linhas vermelhas, o que equivale a jogar com uma mão exposta. Enquanto o Irã joga agressivamente, os EUA apostam com timidez, temendo se envolver demais e dispostos a retirar-se do jogo a qualquer momento. Há também dúvidas crescentes sobre quem são os aliados e os inimigos de ambos os lados.

No entanto, um elemento do pôquer continua firmemente a favor dos EUA. Em última instância, o jogo requer manter o poder até que a sorte mude. O Irã está investindo pesado e se desdobrando no apoio a Assad, mas isso não é sustentável e, se não houver uma vitória rápida, Teerã ficará fora do jogo.

Os EUA têm os meios e o poder para se manter no jogo, caso faça essa opção. E se fizer as jogadas certas ainda poderá vencer.


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