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New York Times

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O preço de nunca negociar

Após radicais matarem reféns, EUA e britânicos são criticados por rejeitar diálogo

Rejeição a negociar contrasta com Europa

Por RUKMINI CALLIMACHI

O e-mail apareceu na caixa de correio de Michael Foley um ano depois de seu irmão James desaparecer numa viagem de trabalho como repórter ao norte da Síria. Ficou claro que as pessoas que o retinham queriam uma coisa acima de tudo: dinheiro.

Quando Michael Foley e seus pais, John e Diane, entregaram o e-mail ao FBI (polícia federal dos EUA), um agente deu orientações gerais, mas também algumas severas advertências: os EUA nunca iriam trocar presos por reféns, nem pagariam resgate. Acima de tudo, disseram a eles que era crime recompensar terroristas.

Mais importante, em retrospecto, foi o que o FBI não disse à família: Foley estava no cativeiro em companhia de 12 europeus cujos países têm um histórico de pagar resgates.

A disposição de pagar aos sequestradores é motivo de debate e crescente tensão entre os Estados Unidos e o Reino Unido, por um lado, e seus aliados europeus, de outro. Do ponto de vista das famílias, há outra linha divisória entre as duas abordagens: muitas nações europeias, a partir do momento que seus cidadãos são capturados, iniciam com vigor uma negociação.

França, Espanha, Suíça e Itália responderam aos sequestradores ativando uma célula de crise em seus ministérios de Relações Exteriores, disse um funcionário europeu de uma agência antiterrorismo.

Em fevereiro deste ano, os europeus já haviam procurado obter provas de vida para fazer uma contraoferta de pagamento de resgate, de acordo com uma pessoa envolvida de perto com a crise. Segundo essa fonte, a quantia média negociada por pessoa estava em torno de € 2 milhões (R$ 6,1 milhões).

Já nos EUA, parentes de reféns se disseram desorientados em meio à crise, e na maior parte do tempo o governo os deixou por conta própria.

De modo geral, o governo ofereceu solidariedade, mas pouca ajuda prática, disseram a família Foley e seus assessores, o que os deixou sobrecarregados e inseguros sobre o que fazer. "O FBI não nos ajudou muito, temos de admitir", disse Diane Foley.

Autoridades do governo defenderam sua reação à crise dos reféns, dizendo que o governo preparou uma investida arriscada em julho, usando soldados americanos para tentar libertar os prisioneiros na Síria.

Uma autoridade graduada disse que agentes do FBI falavam com a família de Foley "todos os dias", e que três funcionários do birô foram destacados para atendê-los. "Depois desse fato horroroso, é difícil explicar essa política", disse John Allen, ex-chefe militar americano no Afeganistão. "Mas o fato de haver na região americanos que nunca foram resgatados, porque eles sabiam que não havia nenhuma vantagem nisso, tem de ser considerado."

Após o primeiro e-mail, em novembro, os captores voltaram a fazer contato pedindo € 100 milhões (R$ 307 milhões) e a libertação de um número não especificado de prisioneiros muçulmanos. E então, o silêncio.

A mãe de Foley só voltaria a ver o filho oito meses depois, em um vídeo no qual aparecia ajoelhado na areia, com a faca do executor no pescoço.

Os EUA e o Reino Unido estão entre os poucos países que adotam a concessão zero, argumentando que ao ceder incentivam mais sequestros. Em contraste, países europeus têm repetidamente pagado para libertar seus cidadãos, apesar de declarações em que prometem não fazer isso.

O que a família de Foley desconhecia é que os e-mails eram parte de uma leva enviada durante quatro meses pelo Estado Islâmico a parentes de 23 reféns ocidentais, incluindo três americanos.

A publicação on-line Global Post, ex-empregadora de Foley, gastou milhões de dólares com uma empresa de segurança à procura do jornalista, disse seu presidente, Philip Balboni.

Em maio, as quatro famílias americanas se encontraram, começaram a comparar as exigências de resgate e perceberam que os americanos haviam sido capturados pelas mesmas pessoas.

Semanas depois, enquanto cada vez mais europeus eram libertados, os Foleys souberam de um pagamento de US$ 4,5 milhões (R$ 10,7 milhões) para libertar um refém, segundo Balboni.

"A captação de fundos começou para valer quando já era relativamente tarde", disse Balboni. "Nosso objetivo era obter US$ 5 milhões (R$ 11,9 milhões)."

Apesar de a família ter sido alertada de que poderia ser processada por pagar resgate, mais tarde ela foi informada de que dificilmente seria incriminada, segundo uma fonte oficial graduada.

Mas o FBI os instruiu a não prosseguir, segundo um consultor que acompanha a crise dos reféns.

"Perguntei: 'Por que queremos fazer isso?'", disse. "O que eles disseram foi: 'É assim que você reduz as cifras para uma quantia realista'. A certa altura, eu disse: 'Tem certeza? Acho que só estamos deixando-os com raiva'."

Dinheiro não era a única coisa que os sequestradores queriam. Em outro e-mail, segundo Balboni, eles propuseram a troca dele pela neurocientista paquistanesa Aafia Siddiqui, acusada de tentar matar americanos no Afeganistão.

Foram informados de que a troca era impossível, devido à política de não fazer concessões. Ainda assim, em maio, o sargento Bowe Bergdahl foi libertado pelo Taleban depois de ser trocado por cinco detentos da prisão de Guantánamo. Foi uma mudança significativa na forma como os EUA lidam com esse tipo de situação.

As famílias dos reféns capturados pelo Estado Islâmico ficaram horrorizadas, mas o governo Obama alegou que o caso de Bergdahl não constituía uma exceção, porque ele era prisioneiro de guerra.

Entre abril e maio, um dos reféns libertados descreveu ao FBI como era a instalação petrolífera em Raqqa, na Síria, cativeiro de 23 estrangeiros. Uma tentativa de resgate, afinal frustrada, levou mais de dois meses para ser montada, segundo uma autoridade. Consultores das famílias dizem que esse atraso mostra que o governo não fazia vigilância e por isso posicionou às pressas um avião de observação sobre a área.

Não sabendo da operação de resgate de 3 de julho, a família Foley se empenhou em tentar arrecadar dinheiro para o resgate.

Em 8 de agosto, Obama autorizou os ataques aéreos contra posições do Estado Islâmico no Iraque. Em 12 de agosto, a família Foley recebeu o último e-mail dos sequestradores de James:

"Vocês tiveram muitas chances de negociar a libertação do seu pessoal via transações em dinheiro, como outros governos aceitaram. Também oferecemos a troca de prisioneiros para libertar muçulmanos atualmente detidos, como nossa irmã, a dra. Aafia Siddiqui, mas vocês nos mostraram rapidamente que NÃO é nisso que vocês estão interessados. Vocês e seus cidadãos pagarão o preço por esses bombardeios."

Uma semana depois, um vídeo publicado no YouTube mostrou a decapitação de Foley. Duas semanas após o ocorrido, um vídeo exibia a morte de outro jornalista americano, Steven Sotloff. Mais recentemente, o britânico David Cawthorne Haines, um profissional humanitário, foi decapitado.

Dois outros americanos e dois britânicos permanecem presos. Pelo menos 15 reféns que estavam com Foley, sendo 14 deles europeus, conseguiram ser libertados.

Para garantir que a morte de Foley provoque uma mudança, seus pais querem criar uma organização para famílias de outras vítimas. "Foi uma situação muito, muito assustadora", disse Diane.

"E outros países conduzem isso melhor. Espero que nosso governo e a comunidade internacional analisem o assunto profundamente, e rezamos para que, ao fazer isso, a morte de Jim não tenha sido em vão."

Colaboraram Glenna Gordon, Eric Schmitt, Michael S. Schmidt, Karam Shoumali, Jack Begg e Sheelagh McNeill


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