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Prisão de Alcatraz volta a abrigar detentos, mas em retratos

Por JORI FINKEL

SAN FRANCISCO - O prédio da lavanderia de Alcatraz, a prisão militar que virou penitenciária de segurança máxima e depois parque nacional, normalmente fica fechado para turistas.

Agora, até 26 de abril, visitantes poderão ver ali uma instalação do ativista e artista plástico chinês Ai Weiwei com 176 retratos de prisioneiros de consciência e exilados políticos, desde o líder sul-africano Nelson Mandela e o cantor tibetano Lolo até o delator americano Edward Snowden, feitos de 1,2 milhão de peças de Lego.

A obra faz parte de uma exposição intitulada "@Large: Ai Weiwei on Alcatraz", organizada pela For-Site, produtora de San Francisco, que se espalha pelo hospital da prisão, as celas do Bloco A, o refeitório e a lavanderia.

Em vista das críticas de Ai ao governo chinês e seu ativismo em favor da liberdade de expressão, que levou à sua própria prisão em 2011, ele poderia ter se incluído no retrato de grupo. Ele não o fez.

Mas seu encarceramento por 81 dias, a maior parte dos quais em solitária, alimentou alguns dos temas da exposição, e o confisco de seu passaporte determinou o modo como a mostra foi produzida.

"Ainda agora estou em detenção 'soft': meu passaporte está retido pelo Estado, e meu direito de atravessar fronteiras livremente foi restrito", Ai explicou em uma troca de e-mails.

Sua situação faz o título "@Large" (Foragido) mais parecer a expressão de um anseio, levantando questões de natureza tanto prática quanto filosófica.

Como exatamente esse artista que não tem medo de dizer o que pensa realizou essa exposição, própria desse lugar, sem nunca ter ido a Alcatraz e apesar do risco de voltar a ser encarcerado?

E até que ponto instalações como essas (que exigiram a ajuda de mais de cem voluntários em San Francisco e funcionários da For-Site em Alcatraz para fazer a montagem, além da colaboração da Anistia Internacional) são realmente obra de Ai Weiwei?

É verdade que a monumental instalação de Lego "Trace" traz sua marca inequívoca. A maioria dos retratos é de figuras "esquecidas pela sociedade", diz Ai. Uma delas é a sul-coreana Shin Suk-ja, prisioneira da Coreia do Norte que foi mandada para um campo de trabalhos forçados com suas duas filhas em 1987, depois de seu marido ter fugido para a Europa.

Ela parece ter morrido no cativeiro. O trabalho com Lego também faz uma contabilidade visual, criando uma comunidade de prisioneiros que é grande demais para poder ser ignorada.

Ai escreveu que a ideia lhe veio em parte ao ver a paixão de seu filho pelos tijolinhos de brinquedo. Ele administrou o processo de montagem a partir de seu ateliê em Pequim. Criou amostras de retratos em Lego e então gerou maquetes digitais do conjunto.

Para garantir que os detalhes não fossem conhecidos antes de o trabalho ser completado, os voluntários nunca puderam ver imagens da obra completa.

Ai enviou três assistentes de seu ateliê à Califórnia para coordenar o projeto com Lego. Enviou dois outros para instalá-lo perto de uma enorme pipa de dragão feita por artesãos chineses.

Ele disse que a pipa é "símbolo da liberdade", mais ainda em um contexto penitenciário. O trabalho também tem associações que vêm de sua infância, quando ele construiu uma pipa com seu pai, o poeta Ai Qing, que foi "exilado" pelo regime chinês no deserto de Gobi e forçado a limpar privadas.

A família morava num buraco cavado na terra. Para fazer a pipa, pai e filho obtiveram as varetas de bambu da cortina que formava a porta de um vizinho. "Colhemos linha de todas as famílias das redondezas", Ai escreveu.

"Todos os materiais eram preciosos. Nunca vou me esquecer da primeira vez que vi a pipa lá no alto, levada pelo vento, tão longe que nossos olhos tinham que fazer um esforço para encontrá-la no céu."

Ai, 57, recorreu à For-Site especialmente para um trabalho que exigiu muita pesquisa: uma instalação sonora no Bloco A. As celas, normalmente fechadas, parecem decrépitas, com pintura descascada e tubulações enferrujadas.

Mas a cela 12 ficará aberta a visitantes para ouvirem gravações de prisioneiros políticos famosos, desde a música do nigeriano Fela Kuti e do grupo russo Pussy Riot até leituras de poemas feitos por Liao Yiwu e Mahjoub Sharif, que morreu no Sudão em abril.

Em 2011, enquanto Ai estava detido, Cheryl Haines, a fundadora da For-Site, organizava uma mostra na ponte Golden Gate. A partir da ponte, havia uma vista ótima de Alcatraz. "Fiquei pensando que esse seria um lugar ótimo para ser ativado com arte".

Quando visitou o ateliê de Ai Weiwei em Pequim, após a soltura dele, Haines plantou a semente da ideia junto a ele. "Aceitei a oferta dela de imediato", ele escreveu.

Ai escreveu que, se pudesse ter mudado alguma coisa em "Trace", teria acrescentado uma imagem do advogado chinês Pu Zhiqiang, que o representou quando ele foi detido e que foi preso em junho, ele próprio, numa campanha para punir reformistas moderados.

"Não o incluí porque pensei que ele seria solto imediatamente. O tempo mostrou que me equivoquei. É uma vergonha imensa que um defensor com voz tão forte tenha sido silenciado."


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