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New York Times

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Nuvens e guerra inspiram compositor

Por CORINNA da FONSECA-WOLLHEIM

Em sua juventude, Chou Wen-chung lidou com muitos professores austeros. Um deles foi Edgard Varèse, o temperamental modernista francês e padrinho da música eletrônica, que certa vez demonstrou sua insatisfação jogando uma partitura de Chou no chão e ordenando que ele urinasse sobre ela. Também houve o sinfonista tcheco Bohuslav Martinu, que reagiu a uma fuga que Chou tinha composto usando material melódico chinês com apenas uma indagação em tom de desdém: "Por quê?".

Mas o professor mais rígido de todos foi a guerra, que em 1937 submergiu a China, o país de Chou, e nos oito anos seguintes o forçou a fugir de uma cidade a outra, em vários momentos deixando-o cara a cara com a morte. Em Xangai, Chou tocava Bach e Mozart ao violino acompanhado pelo som de disparos de artilharia. Mais tarde, como estudante universitário em Guilin, ele aprendeu a identificar o caminho de voo dos aviões de guerra japoneses pelo som. Chou, que hoje tem 91 anos, relata várias histórias de guerra angustiantes. "Esse é o tipo de coisa que não queremos viver", disse depois de descrever sua fuga dramática de Guilin em 1944, momentos antes da entrada das forças japonesas. "Mas, se você a vive, use-a. Precisamos aprender com a vida."

Chou hoje vive com sua mulher, a pianista Yi-an Chang, na antiga residência de Varèse. As salas são repletas de antiguidades chinesas e exemplares da arte caligráfica de Chou, além de uma coleção de instrumentos musicais de todo o mundo e pequenos tesouros antes pertencentes a Varèse. Como tal, a casa é uma expressão física do esforço de Chou ao longo de toda sua vida de unir a cultura chinesa e a música ocidental. "Nunca me vi como um compositor chinês", falou Chou. "Eu me vejo como um compositor do século 20. Tenho que refletir meu tempo. É essa a minha responsabilidade."

Mesmo assim, existe uma inflexão chinesa nítida em boa parte de sua música, mesmo em obras compostas puramente para instrumentos ocidentais, como "The Willows Are New", para piano solo, ou seus elegantes quartetos de cortas, que às vezes emulam os sons de uma cítara chinesa ou do "erhu", instrumento com duas cordas, tocado com arco.

Em sua infância, Chou foi exposto a muitos estilos de música chinesa, ao mesmo tempo em que lia contos de fada europeus. Quando era pequeno, topou por acaso com uma festa improvisada no alojamento de empregados de sua casa. "Abri a porta e dei de cara com um cheiro forte de vinho chinês barato e com música cantada e instrumental. Pensei: 'Isto sim é a vida real'. Daquele momento em diante, passei a associar a música ao prazer."

Mas Chou também se recorda de ver músicos de alto nível tocar por centavos nas ruas, porque o desabamento da velha ordem social tinha praticamente eliminado o mecenato antigo das artes. A preservação ou restauração do conhecimento dessas artes, como a poesia clássica e a caligrafia, passaria a ser uma de suas preocupações cruciais depois que ele se radicou nos EUA, em 1949.

Na Universidade Columbia, em NY, onde começou a lecionar em 1964, ele deu seminários informais sobre filosofia e estética chinesa. Em 1996, completou "Clouds" (Nuvens), que representa os frutos de meio século passado estudando algo que Chou descreveu como uma de suas maiores influências musicais: as nuvens. "Clouds" também é uma homenagem a seu pai.

Ele recordou um dia em Nanjing quando era estudante do ensino médio e voltou para casa mais cedo que o habitual. "Fui para o jardim e me deitei na grama. O tempo ia mudar, e dava para ver as formações de nuvens se deslocando. Fiquei fascinado. De repente uma sombra me cobriu, e era meu pai. 'O que você está fazendo? Por que não está estudando?' Pude ver por sua expressão que ele estava furioso. Tive que lhe contar a verdade: 'Estou atraído pelas nuvens. Quero ver como elas se movem.'" Seu pai se afastou sem dizer uma palavra.


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