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Gregos voltam ao campo

POR RACHEL DONADIO

CHIOS, Grécia - Nikos Gavalas e Alexandra Tricha, dois agrônomos de 31 anos, estavam frustrados com os trabalhos temporários e mal remunerados que encontravam em Atenas, onde os empregos são escassos e o custo de vida é alto. Então no ano passado eles decidiram iniciar um projeto: a criação de escargots.

Por causa da ruína econômica do país, o casal aderiu a um êxodo de gregos para o interior, buscando no rico passado rural da nação um caminho para o futuro. Eles admitem que é uma empreitada peculiar, exigindo mais trabalho braçal do que eles, com formação universitária, jamais imaginaram fazer. Mas, num país premido pela austeridade e à beira de uma moratória, isso parecia uma boa aposta.

Gavalas e Tricha voltaram para Chios, sua ilha natal, onde montaram uma "fazenda-boutique" com US$ 50 mil recolhidos entre familiares. O investimento ainda não se pagou; a primeira leva de escargots virá no final do ano. Mas o casal está confiante.

"Quando ligo para amigos e parentes em Atenas, eles me dizem que não há esperança, tudo vai de mal a pior", disse Tricha recentemente, caminhando pela estufa onde milhares de caracóis se arrastam por fileiras de tábuas úmidas. "Então acho que nossa escolha foi boa."

O desemprego na Grécia é de 18%, chegando a 35% na faixa etária de 15 a 29 anos - era de 12% e 24%, respectivamente, no final de 2010. Mas a agricultura é um dos poucos setores que crescem desde o início da crise, ganhando 32 mil empregos entre 2008 e 2010, dos quais a maioria foi assumida por gregos, e não por imigrantes, segundo um estudo divulgado meses atrás pela Confederação Pan-Helênica das Associações Agrícolas.

"O maior aumento é de pessoas de meia-idade, entre 45 e 65 anos", disse Yannis Tsiforos, diretor da entidade. "Isso nos mostra que eles tiveram um tipo de emprego diferente no passado."

Na Grécia, como em outras partes do Mediterrâneo, a maioria das famílias tradicionalmente investe em terras e imóveis, considerados mais estáveis que os investimentos financeiros, e é comum que até gregos de baixa renda possuam uma propriedade rural herdada.

A procura por escolas agrícolas também tem aumentado. Panos Kanellis, presidente da Escola Agrícola Americana, em Salônica, que foi fundada em 1904 e oferece desde o jardim da infância até cursos livres de agricultura sustentável, disse que o número de candidatos triplicou nos últimos dois anos, e que as matrículas em aulas de fabricação de queijos e fabricação de vinhos têm crescido.

Kanellis disse que os jovens com frequência lhe procuram para dizer: "Tenho dois acres do meu avô em tal lugar, posso fazer alguma coisa com isso?". Um crescente número de gregos se faz essa pergunta, e alguns decidiram que podem. "Em grandes cidades, não há futuro para eles", disse Tricha. "Para os jovens, a única opção é ir para o interior ou para o exterior."

Em 2006, Vassilis Ballas e sua esposa, Roula Boura, ambos de 36 anos, deixaram seus empregos em Atenas -ele como gerente de conteúdo de um site, ela em marketing- e se mudaram para Chios, terra dos avôs dele. O casal decidiu tentar a sorte cultivando mástiques, um tipo de árvore que só cresce no sul de Chios e fornece uma resina semelhante ao anis, que é colhida e cristalizada para a produção de bebidas, alimentos, velas e sabão.

"Estávamos pensando em nos mudar de Atenas e um amigo nos disse: 'Minha avó produz 100 kg de mástique saindo sozinha com um burro'", recordou Ballas, sendo que o quilo do produto vale US$ 18 no atacado. Mas o casal descobriu que o cultivo do mástique era mais difícil do que supunham, e incorporaram o ecoturismo voltado para o mástique.

Alguns jovens gregos estão voltando não para a terra, mas para o mar, entrando para outro venerável setor grego. Desde 2008, as matrículas em escolas marítimas da Grécia quadruplicou, chegando a quase 7.000, segundo o Ministério Naval.

Yannis Menis, 27, nativo de Chios, disse que tinha uma carreira promissora pela frente como físico nuclear. Mas, prestes a iniciar o doutorado, não teve como continuar bancando os estudos, e decidiu seguir os passos do pai como engenheiro naval.

Menis começou em setembro a frequentar a escola marítima em Chios. "Minha família foi contra o meu desejo de me matricular; eles ficavam me perguntando: 'Você estudou todos esses anos à toa?'", disse ele. "Eu não contei a ninguém a bordo sobre o meu passado científico. Em todo lugar na Grécia, agora é uma desvantagem ser superqualificado."

Por si só, o impulso de retorno às raízes rurais da Grécia representa uma tendência reveladora desde o surgimento da crise - uma guinada para dentro, uma discreta espécie de orgulho nacional em resposta ao desânimo generalizado. Há 20 anos, durante uma época de "boom", Dimitris Kaloupis deixou seu emprego como operário da construção, e hoje é agricultor em tempo integral em Volissos, onde mantém animais e lavouras, além de ser dono de uma taverna. Ele acha que a Grécia será capaz de enfrentar esta crise, como já enfrentou outras.

"Nós inventamos a civilização, e nós vamos recuperá-la", disse Kaloupis, almoçando um cozido de cordeiro criado por ele próprio. Se a economia grega realmente decair até não ter mais conserto, "vou pegar a rocha na minha mão e apertá-la, e da água que sair dela farei 'pilaf' (uma receita à base de arroz) para alimentar minha filha. Vamos dar um jeito".

Dimitris Bounias contribuiu com reportagem

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