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Massacres étnicos fraturam novo país

Por JEFFREY GETTLEMAN

PIBOR, Sudão do Sul - O rastro de cadáveres começa a 275 metros do portão de zinco do campo das Nações Unidas e se estende no cerrado por quilômetros.

Há um idoso deitado de costas, uma moça com as pernas abertas e uma família -homem, mulher, duas crianças- de bruços no capinzal, todos executados. Ninguém sabe quantas centenas de corpos estão espalhados pela savana.

Nascido como país há apenas seis meses, em meio a grande júbilo, o Sudão do Sul está mergulhando num turbilhão de violência. As tensões étnicas acirradas que tinham sido deixadas de lado em nome da independência explodiram num ciclo de massacres e vinganças que nem o governo, apoiado pelos EUA, nem a ONU estão conseguindo interromper.

Os EUA e outros países ocidentais investiram bilhões de dólares no Sudão do Sul, na esperança de que o país supere sua história marcada pela pobreza, a violência e as divisões étnicas, para emergir como país estável, aberto ao Ocidente. No entanto, milícias armadas, com as dimensões de pequenos Exércitos, vêm marchando com impunidade contra vilarejos, em alguns casos com intenções declaradamente genocidas.

Oito mil combatentes acabaram de cercar Pibor, cidadezinha em meio a uma pradaria, arrasando as choupanas, incendiando silos, roubando milhares de cabeças de gado e matando sistematicamente milhares de homens, mulheres e crianças escondidos no cerrado.

Os agressores divulgaram seus planos antes. "Decidimos invadir Murleland e varrer toda a tribo murle da face da terra", avisaram em comunicado público os agressores da etnia rival nuer.

A ONU, que tem 3.000 soldados de manutenção da paz no Sudão do Sul, preparados para travar combate, rastreou o avanço dos combatentes nuer por dias antes do massacre e enviou cerca de 400 soldados ao local. Mas seus soldados não intervieram, dizendo que os nuer os superavam em número e que eles poderiam facilmente ter sido massacrados também.

O ataque foi precedido por uma campanha de levantamento de fundos para a milícia nuer, feita nos EUA. Gai Bol Thong, refugiado nuer residente em Seattle que ajudou a redigir o comunicado da milícia, disse que liderou um esforço para levantar para os combatentes cerca de US$45 mil junto a sudaneses do sul residentes no exterior. "Estamos falando sério", disse. "Nós matamos todo mundo. Estamos fartos deles." (Mais tarde ele moderou sua fala, alegando que quis dizer que matariam guerreiros murle, e não civis.)

Conflitos étnicos desse tipo eram comuns aqui em 2009, antes da luta final pela independência. Mais sinistros que as incursões em pequena escala para roubar gado que vêm acontecendo há gerações, os ataques em muitos casos pareciam manobras de infantaria, fato que levou a acusações de que o Sudão, ao norte, teria enviado armas ao Sudão do Sul para desestabilizar a região.

Mas os moradores do Sudão do Sul pareceram unir-se à medida que se aproximou o histórico referendo sobre a independência. A união trouxe reconciliação. Os grandes choques étnicos praticamente desapareceram.

O descanso durou pouco, porém. Quase imediatamente irromperam choques ao longo da fronteira entre o norte e o sul. E então, apenas um mês depois de o Sudão do Sul ter festejado sua independência (em julho passado), guerreiros murle mataram mais de 600 nuer e sequestraram dezenas de crianças. Foi esse ataque que desencadeou o massacre deste mês.

A clínica improvisada em Pibor hoje fede a carne humana em decomposição. O lugar está repleto de crianças murle com ferimentos de bala. Muitas delas caminharam por dias até aqui; suas feridas estão supuradas e gangrenadas. Os médicos lançam um olhar e cochicham: "Amputação".

O governo do Sudão do Sul reluta em intervir nestas vendetas, isso porque o governo é uma colcha de retalhos de grupos étnicos rivais que lutaram entre si durante a longa guerra civil sudanesa. Os nuer são peça crucial da coalizão governante, e os lou nuer -o subgrupo que liderou o ataque a Pibor- fornecem milhares de soldados ao Exército do Sudão do Sul.

"nuers combatendo nuers?" disse um diplomata ocidental no Sudão do Sul, considerando a possibilidade de uma intervenção militar. "Seria explosivo."

Os combatentes murle estão se reagrupando e já atacaram vários vilarejos dos nuer, matando dezenas de pessoas. E sua motivação pode não ser apenas a busca de vingança. Os murle vivem da criação de gado. Um líder da comunidade disse que a tribo perdeu mais de 300 mil de seus animais.

O governo anunciou uma campanha de desarmamento na área, assim que terminar a temporada de chuvas. Enquanto isso, tenta mediar negociações de paz entre as tribos, mas as conversações foram interrompidas em dezembro, quando os murle se recusaram a devolver crianças sequestradas.

Então os líderes nuer reconstituíram o Exército Branco, que massacrou milhares de pessoas nos anos 1990. A carnificina dos nuer continuou até 3 de janeiro. Ainda não se sabe quantas pessoas foram mortas. "Há cadáveres em todo lugar", informou um funcionário da ONU. "É uma área grande. Eu não me surpreenderia se houvessem mil mortos."

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