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O homem que traduziu Mao para os EUA

Por DAVID BARBOZA

PEQUIM - Há 40 anos, em fevereiro, o presidente Richard Nixon chegou aqui em uma visita inédita, destinada a melhorar as relações com a China após décadas de hostilidade.

Ele desembarcou do Air Force One e apertou a mão do premiê chinês Zhou Enlai.

Uma foto que capta o momento também mostra um intérprete chinês de óculos, de pé na pista logo atrás de Zhou. Esse homem é Ji Chaozhu.

"Eu me lembro daquele dia claramente", disse Ji, hoje com 82 anos. "O primeiro-ministro Zhou me disse para ficar logo atrás dele e escutar claramente."

Ji esteve ao lado de Zhou em Genebra em 1954, quando o secretário de Estado John Foster Dulles se recusou a apertar a mão de seu homólogo chinês.

Como serviu por mais de 20 anos como intérprete de inglês para líderes chineses, Ji aparece em diversas fotografias históricas. Em uma está no palanque em Tiananmen em 1971 com o presidente Mao Tse-tung e o jornalista americano Edgar Snow (uma pista de que a China pretendia melhorar as relações com os EUA).

Em outra imagem, ele aparece ajudando Deng Xiaoping a colocar um chapéu de caubói durante seu giro pelos EUA em 1979.

Historiadores dizem que as habilidades linguísticas de Ji ajudaram a moldar as negociações durante uma das mais importantes missões diplomáticas do último meio século.

Documentos agora revelados da Casa Branca o citam como participante da maioria das reuniões cruciais que Nixon e Henry Kissinger tiveram com líderes chineses no início dos anos 1970, incluindo as que ocorreram durante a visita secreta de Kissinger à China em julho de 1971.

Ele participou de negociações que puseram fim à guerra da Coreia e testemunhou a intriga e as lutas de poder entre os líderes chineses durante as conturbadas décadas de 1960 e 1970.

Ji continua orgulhoso do papel que desempenhou nas relações sino-americanas.

"Eu sempre quis que esses dois grandes países vivessem em paz", disse. "Eram os dois com os quais eu tinha uma conexão."

Quatro anos atrás Ji publicou "O Homem à Direita de Mao", um relato sobre sua vida.

Ji nasceu em 1929 na província de Shanzi, no norte da China. No final dos anos 1930, sua família fugiu para o sul antes da invasão japonesa e depois partiu para os EUA. Ele cresceu em Nova York e frequentou a Universidade Harvard, mas a abandonou quando a família voltou para a China em 1950, depois da vitória de Mao.

"Quando começou a guerra da Coreia, fiquei dividido entre meu amor pelos dois países", disse. "Mas eu sabia que era fundamentalmente chinês."

Logo depois que o cessar-fogo foi alcançado ele entrou para o Ministério das Relações Exteriores e nos 30 anos seguintes serviu como tradutor para líderes chineses, incluindo Mao ("Ele se queixava de que eu falava muito alto quando traduzia"), Zhou ("Ele foi como um pai") e Deng ("Ele era muito baixo, e eu tinha de abrir as pernas para ficar menor quando interpretava").

Mas Ji foi atraído para a intriga da Revolução Cultural, que vigorou de 1966 a 1976.

Devido a suas ligações com Zhou, Ji foi banido do Ministério das Relações Exteriores poucos meses depois da visita de Nixon. Ele foi enviado para o campo para fazer trabalhos forçados.

Após a morte de Mao, Ji acompanhou Deng Xiaoping em sua viagem aos EUA em 1979, e ao longo dos anos conheceu os presidentes americanos Jimmy Carter, Ronald Reagan e George Bush. Ele foi nomeado embaixador da China em Fiji e no Reino Unido e serviu como subsecretário-geral das Nações Unidas.

Com sua memória falhando e a linguagem confusa, sua mulher, Wang Xiangtong, ajuda a traduzir os gestos e os pensamentos do mestre intérprete.

"Vamos dizer apenas que somos sobreviventes", disse ela. "É o que ele está tentando dizer."

"Eu queria que esses dois grandes países vivessem em paz. Eram os dois com os quais eu tinha uma conexão."

JI CHAOZHU

um intérprete dos líderes chineses que foi criado nos EUA

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