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Tendências Mundiais - Inteligência/Maxim Trudolyubov

Cidadãos renascidos na Rússia

A recente temporada eleitoral na Rússia ajudou a mudar atitudes, mas não a realidade da política russa

MOSCOU

Apesar de Vladimir Putin ser o próximo presidente da Rússia e seu partido deter a maioria no Parlamento, as recentes eleições presidenciais marcaram uma mudança significativa na sociedade. Muitos russos hoje percebem que podem ter preocupações além de novos eletrônicos e carros bonitos; eles são cidadãos "renascidos", não apenas consumidores. O antigo regime vai manter o poder, mas terá de enfrentar uma população novamente engajada. Os ativistas vão continuar perturbando o governo e pressionando por mudanças políticas.

As eleições presidenciais em 4 de março ocorreram sob as antigas regras, tornando impossível para qualquer candidato representar uma ameaça real a Putin. Os que eram considerados perigosos foram eliminados nas primeiras etapas. A televisão -a fonte predominante de notícias para a Rússia rural e as pequenas cidades onde vivem cerca de 60% da população -promoveu a candidatura do partido governante. Até as leis foram emendadas ao se aproximar as eleições, de modo que a capacidade de Putin dominar as ondas aéreas não pudesse ser contestada na justiça.

Mas as eleições de março foram diferentes. "Não importa muito se a votação real de Putin foi 49% ou 56%, como sugerem algumas estimativas", disse Alexei Zakharov, um dos organizadores da rede de monitores eleitorais Cidadão Observador. "O fato de que as autoridades conseguiram eliminar candidatos da disputa, fabricar processos jurídicos contra qualquer um, controlar totalmente a cobertura da televisão da campanha significa que as últimas eleições não refletem a verdadeira opção do eleitor russo."

Ao recorrer a truques sujos, a máquina política de Putin tornou irrelevantes os números oficiais.

Os resultados que não podem ser desprezados são estes: um número inédito de 20 mil monitores voluntários trabalharam nas zonas eleitorais em todo o país. Os cidadãos monitores de Moscou garantiram que os votos foram contados corretamente: o total de Putin foi de 44% nas seções observadas de perto, em oposição a 47% nas outras. Essa discrepância reflete o fato de que as autoridades tiveram medo de usar técnicas fraudulentas em Moscou, apesar de a popularidade de Putin ser maior no interior.

Outro desenvolvimento favorável para a democracia russa é que cerca de 200 jovens disputaram lugares nos conselhos distritais e mais de 70 deles venceram. Apesar de seus números modestos, eles farão uma diferença na política em nível básico no futuro.

Um deles é Maksim Kats, 27, que pagou sua viagem a Copenhague no ano passado para aprender desenvolvimento urbano. Hoje, ele é um deputado distrital eleito, ávido para garantir que as calçadas de seu bairro fiquem livres de carros e os ciclistas tenham lugar para estacionar suas bicicletas.

Pessoas como Kats podem ser uma minoria, mas são tão diferentes das autoridades corruptas e mesquinhas habituais. As pessoas estão falando sobre eles e até canais a favor do governo relatam suas atividades, mostrando aos espectadores um novo tipo de autoridade pública.

A última temporada eleitoral ajudou a mudar atitudes, não a realidade da política russa. Milhões de pessoas pela primeira vez levaram a sério o processo eleitoral e perceberam que as eleições podem valer a pena se todo mundo, inclusive o político em exercício, jogar conforme as regras.

A população russa foi treinada para acreditar que por algum motivo seus governantes sempre precisaram de um procedimento chamado "eleições" para provar que não há alternativa ao político no cargo. Estas eleições foram cuidadosamente encenadas para que a maioria dos eleitores não tivesse qualquer outra opção senão votar no único líder. Os secretários gerais soviéticos fizeram isso o tempo todo. A maioria dos governantes da Rússia pós-soviética também.

Em um país como a Rússia, é necessário um salto de fé para acreditar que as eleições podem ser sobre mudança, e não confirmar a situação vigente. Alguns russos deram esse salto durante a última temporada eleitoral. Atualmente, eles não são uma maioria, mas sua influência é extremamente alta. Através do protesto aberto, ações rápidas de grupos, blogs, transmissões, trabalho civil, de caridade e municipal, eles enviaram um claro sinal de que precisa haver concorrência política no topo.

O próximo passo é tornar isso possível. Uma verdadeira competição exige novas regras: barreiras à construção de partidos devem ser eliminadas, o acesso à mídia liberalizado, a captação de fundos aberta aos partidos de oposição. Discussões sobre esquerda ou direita, liberais ou conservadores terão de esperar. Os pedidos para abolir os privilégios da elite, incluindo a licença para burlar leis de trânsito, gozam de apoio universal na Rússia.

A ideia de um campo de jogo nivelado para todos os candidatos é popular. O enfoque das próximas batalhas políticas será traduzir essa ideia em regras e leis reais. Esse processo levará tempo, mas os cidadãos renascidos da Rússia vão garantir que o país siga esse caminho.

Maxim Trudolyubov é editor da página de opinião do jornal "Vedomosti", de Moscou. Envie comentários para
intelligence@nytimes.com

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