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No Paraguai, o Chaco está sitiado

Noah Friedman-Rudovsky para/The New York Times
Cerca de 10% das florestas do Chaco foram desmatadas por agricultores e fazendeiros, ameaçando as terras dos índios ayoreos
Cerca de 10% das florestas do Chaco foram desmatadas por agricultores e fazendeiros, ameaçando as terras dos índios ayoreos

Por SIMON ROMERO

FILADELFIA, Paraguai - O Chaco, uma floresta xerófila com área semelhante à da Polônia e onde a temperatura chega a 48°C, é tão hostil que os paraguaios o chamam de "inferno verde". O extrativismo ainda é um meio de vida entre os vastos labirintos de quebrachos (uma árvore local).

Mas agora, após séculos resistindo ao avanço humano -e apesar de ainda ser habitado por onças, lobos e enxames de insetos agressivos-, o Chaco está sendo ameaçado pelo desmatamento.

Num dos mais remotos rincões da América do Sul, enormes extensões do Chaco estão sendo desordenadamente devastadas por pecuaristas do Brasil e pelos menonitas, descendentes de colonos chegados há quase um século e que ainda hoje falam alemão.

Pelo menos 486 mil hectares do Chaco foram desmatados nos últimos dois anos, segundo análises por satélite feitas pela ONG Guyra, de Assunção. Abrindo pastos para seus enormes rebanhos bovinos, os pecuaristas já destruíram cerca de 10% do Chaco nos últimos cinco anos, segundo a Guyra. Isso se reflete no aumento da exportação de carne.

"O Paraguai já tem a triste distinção de ser um campeão do desmatamento", disse o promotor José Luis Casaccia, ex-ministro do Meio Ambiente, referindo-se à substituição da mata atlântica pelas lavouras de soja no leste do Paraguai -restam cerca de 10% da floresta original.

"Se continuarmos com essa insanidade", disse Casaccia, "quase todas as florestas do Chaco podem ser destruídas dentro de 30 anos".

A expansão agropecuária está transformando pequenos assentamentos menonitas em cidades prósperas. Os menonitas, seguidores do credo protestante anabatista, formado na Europa no século 16, fundaram assentamentos aqui na década de 1920. Localidades com nomes como Neuland, Friedensfeld e Neu-Halbstadt pontilham o mapa.

Patrick Friesen, gerente de comunicações de uma cooperativa menonita em Filadelfia, disse que os preços das terras quintuplicaram nos últimos anos. "Um terreno na cidade custa mais do que no centro de Assunção", disse Freisen, atribuindo esse "boom" em parte à disparada na demanda global por carne.

A floresta fica na planície do "Gran Chaco", espalhada por vários países. Cientistas temem que a expansão da pecuária apague uma fronteira para a descoberta de novas espécies.

O Chaco ainda é relativamente inexplorado. A maior espécie viva de caititu (porco-do-mato) foi descoberta aqui na década de 1970. Em algumas áreas, os biólogos viram guanacos (um parente da lhama).

A corrida fundiária intensifica a revolta dos indígenas locais, que são milhares de indivíduos e há décadas enfrentam incursões de missionários estrangeiros, o crescente poderio dos menonitas e disputas entre tribos.

Um grupo extrativista, os ayoreos, está particularmente sob pressão. Em 2007, 17 falantes do idioma ayoreo, de um subgrupo que se intitula totobiegosode ("povo do lugar onde os caititus comeram nossos jardins"), travaram contato com forasteiros pela primeira vez.

Em Chaidi, uma aldeia perto de Filadelfia, eles disseram que há anos são perseguidos por tratores que invadem suas terras. A palavra em ayoreo para trator, "eapajocacade", significa "agressores do mundo".

"Eles estavam destruindo nossas florestas, gerando problemas para nós", disse o totobiegosode Esoi Cuiquenoi. Por isso, ele e outros do seu grupo, que em fotografias de 2004 apareciam usando tangas, abruptamente abandonaram seu estilo de vida.

Moradores de Chaidi conversaram com parentes dos totobiegosodes que continuam na floresta, mantendo sua vida tradicional, o que faz deles possivelmente a mais isolada tribo indígena da América do Sul fora da Amazônia.

Estima-se que sejam 20 ou mais indivíduos. Os pesquisadores e estudiosos especulam se eles realmente não foram contatados ou se estão apenas escondidos, já que agora vivem em meio a fazendas de gado.

Em março, um relatório do Instituto Indígena Paraguaio confirmou a existência deles em terras controladas pela empresa pecuarista brasileira River Plate, citando evidências de pegadas e buracos escavados para a caça de tartarugas.

A influência econômica do Brasil é impossível de ignorar por aqui e está simbolizada pela presença dos cerca de 300 mil "brasiguaios", como são chamados os relativamente prósperos imigrantes brasileiros e seus descendentes -um grupo que tem papel importante na expansão da agropecuária industrial no Paraguai.

As tensões por causa da presença fundiária brasileira já estão em ebulição. Em fevereiro, o sojicultor e pecuarista brasileiro Tranquilo Favero, um dos homens mais ricos do Paraguai, irritou muita gente no país.

Ele declarou à Folha que os sem-terra devem ser tratados "como mulher de malandro, que só obedece na base do pau".

Favero controla estimados 249 mil hectares no Chaco, além de enormes propriedades no leste do Paraguai.

Nos arredores de Filadelfia, a transformação do Chaco de vastidão por desbravar em polo agropecuário já parece irreversível. Cerca de 80 ayoreos vivem na miséria em um ponto à margem da rodovia, dormindo sob sacos plásticos amarrados nas árvores.

Às vezes, fazendeiros em picapes aparecem para contratar a mão de obra dos ayoreos, ao valor de cerca de US$ 10 por dia.

"Nunca mais vamos viver na floresta", disse o ayoreo Arturo Chiquenoi, 28, que trabalha eventualmente como boia-fria. "Aquela vida acabou."

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