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Inteligência - Roger Cohen

Na Síria, um regime fadado

Londres
A confluência da crise Síria com o 20° aniversário do início da guerra na Bósnia parece um presságio. Mais uma vez, um ditador assassino está fazendo o pior, um país é dividido por linhas sectárias, a comunidade internacional se arrasta sem eficácia e os refugiados jorram para os países vizinhos.

A situação na Síria ainda vai piorar antes de melhorar. Ela tem todos os elementos para uma fratura nacional e uma guerra por procuração. Quanto pior dependerá das decisões tomadas hoje. Todos os dias os militares do presidente Assad chacinam cidadãos sírios -milhares deles já foram mortos - sem conter a rebelião decidida a derrubá-lo.

Há pouco tempo, passei uma noite recente na companhia de Paul Conroy, o fotógrafo do "Sunday Times" de Londres que estava com a grande correspondente de guerra Marie Colvin na Síria quando ela foi morta em 22 de fevereiro. Durante o conflito líbio, eles passaram dois meses juntos na cidade portuária sitiada de Misurata, sob bombardeio intenso. Nada poderia ser pior, eles pensaram. Até que chegaram a Homs e viram o bombardeio casa a casa, cuja intensidade empalidecia o da Líbia. "Se você estivesse em um prédio de três andares poderia sobreviver alguns dias; em uma casa térrea, estaria acabado", disse Conroy, que foi ferido lá.

Essa é a marca registrada de Assad: a brutalidade da terra arrasada, usada primeiro por Hafez Assad em 1982, na defesa de uma máfia familiar no comando de uma polícia e um serviço de inteligência semelhantes à Stasi. Ela manteve os sírios intimidados, favorecendo a minoria alauíta e a minoria cristã contra a maioria sunita.

A repressão funcionou durante 42 anos. O irmão de Assad, Maher, comanda a Guarda Republicana de elite. Seus primos, da família Makhlouf, supervisionam a inteligência. Rami Makhlouf, sob a asa benévola de Assad, tornou-se um bilionário com negócios no setor de telecomunicações (é claro, que mais pode fazer um parente de ditador?) e no tipo de construção que arrasou grandes áreas da antiga Damasco. Uma maneira de ver o sistema sírio é como uma mistura da repressão soviética com o oligopólio da Rússia da era Putin.

Esse sistema indecente está condenado. A Primavera Árabe demonstrou que os árabes estão fartos de déspotas que consideram seus países feudos pessoais a ser transmitidos de pai para filho. Hoje os árabes insistem que a decência não é só para os outros. Mas como os Assad são especialistas em violência, como eles representam uma minoria e como a Síria se baseia em um racha religioso sunita-xiita, a probabilidade de uma luta prolongada é grande. Diferentemente de Muammar Gaddafi, Assad tem apoio suficiente, dentro e fora da Síria, para se manter. O Irã vê nele um aliado, a Rússia um cliente e a China uma causa (não intervenção).

Entra em cena Kofi Annan, o ex-secretário geral da ONU, um negociador de paz tarimbado, com a missão de conter a chacina. Ele personifica uma mudança sutil. O presidente Barack Obama disse que Assad deve sair, assim como vários países europeus. Mas agora, sob o plano de Annan, um cessar-fogo deverá conduzir a uma negociação entre todas as partes, que poderá ou não levar à saída de Assad. Esse foi o preço não declarado de colocar a Rússia e a China a bordo.

Eu gostaria de pensar que poderá dar certo. Mas não. Mais de 9 mil sírios foram mortos por Assad no último ano. Esse é um homem que estudou oftalmologia em Londres, casou-se com uma mulher com passaporte britânico, falou em reformas -e extraiu do ar liberal da capital britânica não uma verdadeira convicção de que a mudança era necessária, mas a convicção de que o Estado policial deve ser preservado por meio do assassinato em massa. Nada na história dos Assad sugere que eles se inclinem ao diálogo.

Ao mesmo tempo, nada na curta história das revoltas árabes sugere que qualquer resultado que não seja a queda desse símbolo odiado de uma longa repressão satisfaça a população, que exige mudanças. O Exército Livre Sírio é um agrupamento improvisado de milícias. A oposição está desconjuntada. Mas eles são uníssonos em sua convicção de que qualquer "reforma" proposta por Assad levará a lugar nenhum. Nisso eles estão certos.

Nada poderia resolver o impasse bósnio enquanto não houvesse uma equivalência de forças aproximada. Isso exigiu mais de três anos de guerra. Não há boas opções na Síria, mas a melhor e a única moral é armar e financiar as forças de oposição sírias até que elas sejam eficazes o suficiente para convencer Assad de que ele pertence ao mesmo monte de lixo que o sistema soviético, cujos métodos imita. Pagar "salários" à oposição síria, como foi decidido em uma reunião recente de "Amigos da Síria" em Istambul, é quase tão cômico quanto inadequado.

Pôr fim ao conflito sírio levará tempo -um EUA cansado de guerra não vai bombardear a Síria ou policiar seu espaço aéreo -, mas o gênio de Damasco não vai voltar para dentro da garrafa. A busca de um acordo negociado é a busca de uma ilusão.

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