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Artista imagina missão a Marte

Um idealista pragmático com visões próprias

Por RANDY KENNEDY

Em seu ateliê em Manhattan, Tom Sachs vem fazendo planejamento obsessivo para uma missão tripulada a Marte.

Mas Sachs é artista plástico. Sua viagem espacial chegará apenas até o Upper East Side.

O módulo de descida do qual seus astronautas vão emergir será feito de madeira compensada e parafusos. E a superfície que seu "rover" (veículo explorador) motorizado vai explorar consistirá não em solo rochoso vermelho, mas nos pisos de pinho de um século de idade que formam o chão de 5.100 m2 da área para exercícios militares da Park Avenue Armory, na rua East 66th.

Durante um mês, a partir de 20 de maio, Sachs se tornará o artista mais recente a encarar esse temível espaço, onde vai exibir objetos variados, alguns bastante realistas: o veículo explorador, o módulo de descida (um modelo em tamanho natural do módulo de descida lunar real do Apollo), um centro de controle de missão e uma unidade móvel de quarentena.

Mas sua intenção maior é transformar o salão de exercícios militares da armaria no palco de uma obra extensa de arte performática, uma obra que garimpa no programa espacial dos Estados Unidos uma estética pré-fabricada inteira -roteiro, coreografia, figurinos, sets- e também uma carga complexa de bagagem cultural sobre o que alimenta a compulsão de explorar o espaço sideral.

Não é de hoje que Sachs, 45, tem a reputação no mundo das artes de ser uma espécie de provocador e improvisador cômico que refaz objetos industriais e de consumo.

Sachs já levou esse objetivo a extremos sensacionalistas. Em 1999 a marchand Mary Boone foi detida após uma exposição de Sachs com espingardas feitas à mão e um vaso cheio de balas reais para as pessoas levarem para casa.

No Museu Judaico, em 2002, ele expôs uma maquete de um campo de concentração alemão, feita de uma caixa de chapéu da Prada.

A estética faça-você-mesmo de Sachs sempre ocupou a linha divisória entre arte e projeto de ciências, e as críticas negativas que ele recebe frequentemente dizem que ele se esforça um pouco demais para satisfazer seus próprios fetiches materiais.

No caso de "Space Program: Mars", o risco é de o projeto ser visto menos como instalação artística e mais como um monumental parque de diversões para nerds do programa espacial, algo que, segundo Sachs, significaria subestimar suas ambições.

"Sempre sinto que as pessoas interpretam erroneamente minha visão, especialmente quando se trata da Nasa", disse ele.

Seu fascínio com o programa espacial é algo que começou há anos, mas não nasceu de fantasias de astronauta na infância. Em vez disso, surgiu de sua convicção de que o programa Apollo, uma das maiores conquistas tecnológicas do século 20, foi sobretudo uma obra de arte performática.

Em proporção com seu custo imenso, as fotos feitas da Lua produziram pouco que tivesse algum valor prático; seu objetivo real era criar um espetáculo cultural e político na Guerra Fria, fato que, segundo Sachs, as situa no campo "do inútil e do espiritual, exatamente como a arte". Ele enxergou tudo isso como uma espécie de "ready-made" perfeito. E, como muitos artistas de sua geração pós-pós-Duchamp, Sachs se propôs a refazer as coisas à sua própria maneira, não casualmente, mas adotando toda a disciplina e o espírito de audácia convocados pelo presidente John F. Kennedy em seu famoso discurso de 1962 sobre o programa lunar.

"Sou um perfeccionista completo, como você pode ver, à minha própria maneira suja", disse Sachs em seu ateliê.

"Gosto de dizer que, diferentemente das Forças Armadas, onde você precisa construir algo com grau de perfeição tão grande que funcione toda vez e não mate ninguém, nós precisamos construir para que funcione pelo menos uma vez", ponderou.

Sachs chegou a pedir conselhos de cientistas espaciais na vida real, tendo ficado amigo de engenheiros do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena, Califórnia, dois dos quais foram a Nova York visitar seu ateliê em 2010 e atuam como seus assessores extra-oficiais desde então.

"Estava previsto para ser um simples encontro na hora do almoço", contou Adam Steltzner, um dos engenheiros. "Mas terminou às 3h30 ou 4h da madrugada seguinte. Foi inacreditável, uma interação de altíssimo nível."

"Há uma linha divisória muito tênue entre ter grande conhecimento dessas culturas científicas, tecnológicas e industriais e tornar-se parte delas", disse Sachs.

Não se sabe ao certo se Sachs ainda sabe onde fica essa linha divisória. "Vamos realmente a Marte", disse ele com um sorriso que irradia confiança.

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