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A humilhação de JPMorgan

A Baleia de Londres encontrou um rival à altura no mercado de "hedge funds"

Por AZAM AHMED

Boaz Weinstein não sabia, mas tinha acabado de fisgar a Baleia de Londres.

Era novembro passado, e Weinstein, um jovem ás do mundo dos "hedge funds" (fundos de investimentos de alto risco) de Nova York, tinha percebido algo estranho do outro lado do Atlântico. Num canto obscuro dos mercados financeiros, os preços não pareciam estar certos.

Como o mundo financeiro agora sabe, o que não estava certo era o banco JPMorgan Chase. Um de seus executivos, Bruno Iksil, que mais tarde seria apelidado de "London Whale" (Baleia de Londres) graças a suas transações enormes, estava prestes a abrir um rombo de bilhões de dólares no poderoso banco.

Mas o tumulto resultante em Washington e Wall Street quase obscureceu uma verdade muito simples do mercado. Sim, o Morgan sofreu uma perda enorme -mas alguém ganhou com isso. E esse alguém -ou melhor, esses alguéns- são Boaz Weinstein e um bando de gerentes de fundo hedge que têm a mesma mentalidade que ele.

Pode parecer assombroso que alguém como Weinstein, uma pessoa desconhecida fora dos círculos financeiros, pudesse desferir um golpe tão doloroso em um dos maiores e mais respeitados bancos do mundo. O prejuízo -que o JPMorgan avaliou em US$ 2 bilhões, mas que pode acabar sendo de US$ 3 bilhões ou mais- levou a novos chamados por regulamentação financeira nos Estados Unidos.

No jogo dos "hedge funds", um setor em que a atuação implacável é valorizada e o dinheiro é sempre a consideração mais importante, Weinstein é conhecido por ser um corretor agressivo com pendor exagerado pelo risco e um estilo de atuar impiedoso. Ele é um enxadrista mestre, além de jogador de alto cacife nas mesas de Las Vegas.

A partir de um escritório em Manhattan, Weinstein, 38, comanda um "hedge fund" de US$ 5,5 bilhões chamado Saba Capital Management ("Saba" significa "sabedoria de avô" em hebraico. O nome é uma homenagem às raízes israelenses de Weinstein). Foi ali, no outono americano passado, que ele notou uma aberração no mercado de derivativos de crédito. Weinstein observou que um índice parecia estar sendo negociado fora de sintonia com o mercado. Ele e sua equipe vasculharam volumes enormes de dados, tentando decifrar o que estava acontecendo.

Finalmente, quando Iksil, a Baleia de Londres, continuava a vender, Weinstein começou a comprar.

Na época, os operadores em Londres não faziam ideia de que o JPMorgan estivesse por trás das transações que estavam desequilibrando o mercado de derivativos de crédito. Na verdade, eles nem sabiam ao certo se era um único banco ou um executivo. Mas em pouco tempo, Londres, o centro financeiro da Europa, estava fervilhando. Fosse quem fosse o operador misterioso, ele ou ela continuava a vender derivativos cuja finalidade era subir seu valor no caso do aumento de risco de determinados títulos corporativos. O volume de negócios era altíssimo. Quem poderia vender tanto assim? E o que aconteceria se a compra e venda fosse revertida, como inevitavelmente iria acontecer?

E assim foram traçadas as posições na batalha. De um lado, estava o JPMorgan, que tinha superado a crise financeira muito melhor do que seus pares. Do outro, gerentes de fundos hedge, incluindo Boaz Weinstein, do Saba.

Impasses como esse são comuns em Wall Street. Um operador agressivo faz uma aposta equivocada e então dobra a aposta para assustar a concorrência do outro lado do negócio. Rivais no mercado muitas vezes são rejeitados, não querendo continuar a comprar enquanto o outro lado está vendendo, ou vice-versa. Para operadores que têm o respaldo de um grande banco, como o JPMorgan, a tarefa é muito mais fácil.

Mas nem sempre. Às vezes o outro lado simplesmente espera e então bate de volta com força.

Muito já foi dito sobre a perícia de Weinstein como enxadrista e de como isso lhe dá vantagens quando se trata de prever os lances de outros operadores. Ele conquistou o título de mestre do xadrez aos 16. Mas já disse a amigos que a habilidade no xadrez não é pré-requisito para ser um bom operador financeiro.

Em janeiro, os negócios contra a Baleia de Londres não estavam indo bem para Weinstein. O preço do índice estava em queda, e as perdas dele se acumulavam.

Mesmo assim, em fevereiro, já estava claro que um único grande ator estava por trás das vendas. Nas mesas de trading em Londres e Nova York, todo mundo comentava: só podia ser o JPMorgan.

Numa conferência em fevereiro, Weinstein recomendou a compra do mesmo índice que Iksil estava vendendo a descoberto. "Quando ele saiu daquela reunião, depois de ter falado de modo tão específico,mais pessoas resolveram mergulhar", contou um gerente de fundo hedge.

Mas a Baleia de Londres era tão grande que, durante meses, os que apostavam contra ela levaram uma surra. Um dos fundos de Weinstein teve queda de 20%.

Em maio, porém, o processo se inverteu. A Baleia de Londres começou a perder. E, em questão de semanas, Weinstein recuperou tudo o que tinha perdido -e ainda ganhou mais.

No mundo dos "hedge funds", alguns diziam que Weinstein tinha conseguido identificar a Baleia de Londres porque também tinha sido uma baleia no passado.

Weinstein foi pioneiro nos derivativos de crédito complexos no Deutsche Bank, antes de eles se tornarem as armas financeiras de destruição em massa que agravaram a crise financeira. No banco, era uma máquina de acumular lucros. Aos 27, tornou-se um dos diretores mais jovens da história do banco. Ganhava US$ 40 milhões por ano e explorava discrepâncias de preços para acumular alavancagens em suas operações.

Então sua equipe no Deutsche Bank perdeu US$ 1,8 bilhão na crise financeira de 2008. As perdas tiveram impacto negativo sobre os bônus pagos em todo o banco, que ele deixaria para criar o Saba.

Agora Weinstein é praticamente uma atração turística de Wall Street. Ele comparece a eventos beneficentes e de gala e é chamado para dar palestras. Fotos dele segurando um drinque na mão aparecem regularmente em sites sobre negócios.

E os lucros têm sido enormes. No ano passado, Weinstein ganhou mais de US$ 90 milhões. Segundo algumas estimativas, entrou para as listas dos mais ricos no setor dos "hedge funds".

Em muitos "hedge funds", o chefe grita ordens a subordinados, mas Weinstein é quase sempre aquele que faz as transações no Saba. Ele telefona aos bancos diariamente. Mas sua confiança e sua disposição para assumir riscos fazem operadores temerem que ele nunca esteja distante de outro incidente como o do Deutsche Bank. Um deles disse: "Weinstein está na lista dos caras de mais alto desempenho no setor, mas também nas de hedge funds' que podem explodir".

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