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Inteligência/Roger Cohen

Em busca de um acordo imperfeito

Londres

Digamos algumas coisas indizíveis. Vale a pena fazê-lo, porque nenhuma paz será construída no Oriente Médio só com base em evasivas, na vitimização competitiva ou no pensamento positivo.

A primeira coisa indizível é que não há "direito de retorno" na história. A vida segue, sem voltar atrás.

Os turcos não vão voltar à Grécia. Os gregos não vão voltar à Turquia. Os alemães não vão voltar a Wroclaw e Gdansk. Os judeus não vão voltar a Bagdá, ao Cairo, a Damasco e a todas as outras cidades árabes de onde centenas de milhares deles tiveram de fugir depois de 1948. E milhões de refugiados palestinos não vão voltar a Haifa, Jaffa e às muitas aldeias destruídas de onde seus antepassados foram expulsos na guerra de independência de Israel.

O moderno Estado de Israel é poderoso. Com armas nucleares, uma economia vibrante, e atraente para imigrantes, ele não tem como ir embora. Se os árabes ainda inclinados por sua aniquilação continuarem evocando a derrota dos cruzados por Saladino, como se isso fosse algum paralelo ou presságio, ficarão frustrados.

Mas esse Estado de Israel não tem, milênios depois, nenhum "direito de retorno" mítico-religioso para a Cisjordânia ocupada, só porque ela foi a terra dos patriarcas judeus.

O termo "Eretz Israel" ("Terra de Israel", em hebraico) tem uma poderosa ressonância emocional para os judeus. É preciso resistir à sua sedução. A extensão territorial que vai do Mediterrâneo ao rio Jordão precisa ser dividida entre um Estado judaico e outro palestino, para que os dois povos vivam em paz.

É isso que previa a resolução da ONU de 29 de novembro de 1947 - a partilha do Mandato Palestino em dois Estados, com supervisão internacional sobre os lugares sagrados de Jerusalém e Belém. Cerca de 55% do território ficaria com Israel, e 42% com a Palestina, com o restante sob tutela da ONU.

Os Exércitos árabes foram à guerra em 1948 para contestar a vontade da comunidade internacional. Perderam -como perderiam outras vezes. Como resultado, nenhuma paz hoje levará a uma Palestina com tantas terras quanto se previu originalmente. Mas o princípio da divisão das terras continua inescapável.

Assim como Israel, os palestinos também não irão embora. O interminável domínio sobre uma população palestina que cresce rapidamente irá corroer e esvair Israel ao longo do tempo. O Estado deixará de ser judaico, ou deixará de ser democrático. O dano de uma ocupação de 45 anos já transparece numa onda de intolerância nacionalista. Um Estado israel ense que condena outras pessoas à opressão permanente não é o que seus fundadores imaginaram.

Resolver o conflito começa por aceitar que não existe um resultado justo. Muitos judeus e palestinos já morreram tentando provar a justeza da sua causa. As narrativas árabe e judaica jamais irão coincidir. O Holocausto e a Nakba serão sempre tragédias travando um duelo. Mas povos com visões diferentes da história podem decidir colocar o futuro em primeiro lugar. Os europeus aprenderam desde 1945 que um acordo imperfeito seria a única forma de sair da espiral de destruição.

Eis outra coisa indizível: a ideia de um só Estado, manifestada com frequência cada vez maior, é uma impossibilidade.

A noção de uma Terra Santa una e multiétnica, uma espécie de Estados Unidos à beira do Mediterrâneo, pode soar reconfortante, ética e lógica. Mas implicaria o fim do Estado judaico de Israel; os judeus não permitirão que isso aconteça. Confiar no seu vizinho? Eles já estiveram lá, já tentaram isso, e não funcionou.

A grande questão para Israel é a Palestina, não o Irã. E a Primavera Árabe, vista com profunda desconfiança em Jerusalém, é uma oportunidade para que Israel deixe a sua postura defensiva. Com os árabes agora focados nos árabes, o "álibi israelense" acabou: déspotas árabes não podem mais distrair suas populações explorando o conflito israelo-palestino.

A Carta de Fundação de Israel, de 1948, merece uma reflexão. Ela diz que o novo Estado seria fundado a partir dos "princípios da liberdade, justiça e paz, no espírito das visões dos Profetas de Israel. Irá implementar a igualdade de direitos sociais e nacionais completos para todos os seus cidadãos, sem distinção de religião, raça e gênero. Irá prometer liberdade de religião, consciência, língua, educação e cultura".

Essas palavras refletem uma frase repetida na Torá: "Vocês foram exilados a fim de que soubessem como é estar num exílio". Os judeus, tendo sido estranhos numa terra estranha, tendo se dispersado ao longo dos milênios, deveriam se identificar com quem está de fora, com os que são diferentes. Ou, como dizia o rabino Hillel: "O que é odioso para você, não faça para o próximo - essa é toda a Torá, o resto é apenas comentário".

O que Israel está fazendo com os palestinos sob ocupação é incompatível com a essência dos ensinamentos e da experiência do judaísmo.

O que os líderes palestinos estão fazendo ao perpetuarem o mito do "direito de retorno" equivale a uma traição aos seus filhos.

Não é fácil dizer o indizível, mas o que o Oriente Médio precisa é de líderes verdadeiros, capazes de fazerem exatamente isso pela causa suprema da paz.

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