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Casas frescas, planeta quente

Alívio do calor traz nova ameaça ao clima global

Casas mais frescas causam preocupação global

Kuni Takahashi/The New York Times
O aumento da demanda por condicionadores de ar em cidades como Mumbai implica maiores emissões de gases que contribuem para o aquecimento global
O aumento da demanda por condicionadores de ar em cidades como Mumbai implica maiores emissões de gases que contribuem para o aquecimento global

Por ELISABETH ROSENTHAL e ANDREW W. LEHREN

A indiana Jayshree Punjabi, 40, recentemente pesquisava um ar-condicionado para comprar em Mumbai. Ela adquiriu o seu primeiro há dez anos. Hoje, já tem três. "Agora quase toda casa em Surat tem mais do que um", disse ela, referindo-se à cidade onde vive. "As crianças veem na televisão e pedem."

O ar-condicionado virou símbolo de status para a classe média de países em desenvolvimento. É mais barato que um carro e importante em regiões abafadas, onde a refrigeração doméstica pode facilitar o estudo de uma criança ou o sono de um trabalhador.

Porém, os cientistas estão cada vez mais alarmados com o impacto dos gases que os alimentam. Todos eles são agentes do aquecimento global.

As vendas de condicionadores de ar crescem 20% ao ano na China e na Índia, refletindo a expansão da classe média, o barateamento dos aparelhos e a elevação das temperaturas em decorrência da mudança climática.

Os gases de refrigeração são regulamentados principalmente pelo Protocolo de Montréal (1987), criado para proteger a camada de ozônio. O clorofluorcarboneto (CFC), altamente nocivo à camada de ozônio, já foi praticamente abandonado. Os gases mais novos, muito usados em nações industrializadas, têm pouco ou nenhum efeito sobre ela.

Mas esses gases têm um impacto que o tratado sobre o ozônio praticamente ignora. Em termos de peso, eles contribuem com o aquecimento global num grau milhares de vezes superior ao do dióxido de carbono (CO2), o mais conhecido dos gases de efeito estufa.

Cientistas calcularam recentemente que, se todos os equipamentos que entrarem no mercado mundial usarem os gases atualmente empregados na refrigeração de ambientes, em 2050 eles serão responsáveis por até 27% de todo o aquecimento global.

Assim, o remédio contra um desastre ambiental está provocando outro. "Há um tempo escasso e precioso para tomarmos alguma atitude", disse Stephen Andersen, copresidente do comitê consultivo técnico e econômico do tratado.

A concentração atmosférica dos gases que substituíram o CFC, conhecidos como HCFCs, que são moderadamente nocivos ao ozônio, mais do que duplicou nas últimas duas décadas.

E as concentrações de gases ainda mais novos, inofensivos ao ozônio, também estão crescendo de forma meteórica, porque os países industrializados começaram a adotá-los há uma década. Os novos condicionadores de ar comercializados nos EUA usam um gás refrigerante que poupa o ozônio, mas seu efeito para o aquecimento global é 2.100 vezes superior ao do CO2. O tratado não pode regulamentá-los, pois abrange apenas gases nocivos ao ozônio.

O cronograma do tratado prevê que nações em desenvolvimento, como China e Índia, reduzam seu consumo de HCFCs em 10% até 2015, e que, a partir do ano que vem, comecem a substituí-los por gases menos prejudiciais ao ozônio. Os EUA e outros países ricos estão incentivando os países em desenvolvimento a adotar gases que não aqueçam o planeta.

Basicamente, os EUA estão pedindo que os outros países façam o que os próprios americanos não fizeram: que saltem a atual geração de gases refrigerantes. O problema é que gases refrigerantes melhores não estão à venda.

Aparelhos e gases que não contribuam para o aquecimento global já foram desenvolvidos, mas exigem aprovações das agências reguladoras e novas regras de segurança, pois tais gases costumam ser inflamáveis ou tóxicos. Porém, com os lucros disparando com os atuais sistemas de refrigeração e a falta de uma regulamentação efetiva dos HCFCs, há pouco incentivo para que haja novidades no mercado.

Em 2006, cientistas da Nasa concluíram que a camada de ozônio estava se regenerando. Mas essa sensação de vitória tem sido ofuscada pelo crescimento das emissões decorrentes de novos gases de refrigeração. Embora uma camada de ozônio mais saudável por si só já cause algum aquecimento, outro bem maior resulta da tendência desses gases refrigerantes de refletirem o calor que irradia da Terra.

Em meados da década de 1980, quando o tratado estabeleceu suas regras, a demanda por refrigeração era ínfima nos países em desenvolvimento. Em 2011, porém, 55% dos novos condicionadores de ar já eram vendidos na região da Ásia/Pacífico, e a produção desses aparelhos se transferiu para lá. No ano passado, a China fabricou mais de 70% dos aparelhos domésticos de ar-condicionado do mundo, para uso local e para exportação. O gás refrigerante mais comum neles é o HCFC-22.

Com o HCFC-22 de baixo custo da Ásia invadindo o mercado, os esforços para restringir seu uso foram prejudicados. Por exemplo, embora a lei americana proíba a venda de unidades novas com HCFC, as lojas passaram a comercializar componentes vazios que podem ser enchidos com o gás barato depois da instalação, permitindo a continuidade do seu uso.

Eliminar gradualmente os HCFCs seria uma das medidas com melhor relação custo-benefício para a redução do aquecimento global, disse Durwood Zaelke, presidente do Instituto para a Governança e o Desenvolvimento Sustentável.

Mas Índia, China e Brasil se opõem e argumentam que isso afetaria o seu desenvolvimento. Todos os substitutos aceitáveis em fase de desenvolvimento para os condicionadores de ar estão sob patentes, exigem novos equipamentos ou precisam de amplas regulamentações e testes.

Interesses comerciais favorecem o impasse. Fabricantes politicamente influentes, como a Gujarat Fluorochemicals (Índia), a Companhia Química Zhejiang Dongyang (China) e a Quimbasicos (México, parcialmente pertencente à americana Honeywell) prosperam fabricando gases de refrigeração, chegando a receber subsídios da ONU para isso.

Os fabricantes relutam em apressar a chegada de novas tecnologias ao mercado enquanto não receberem um sinal mais forte sobre quais países irão adotá-las, disse Mack McFarland, cientista atmosférico da DuPont.

O Protocolo de Montreal já começou a usar suas limitadas ferramentas para estimular os países em desenvolvimento a trocarem os HCFCs por soluções mais inofensivas ao clima, oferecendo o pagamento de um bônus de 25%. Mas especialistas dizem que isso não é o suficiente para incentivar as mudanças drásticas necessárias na concepção, fabricação, regulamentação e assistência técnica das máquinas.

Até mesmo pequenos passos adiante têm sido frustrados. No ano passado, a União Europeia começou a exigir que as fábricas de automóveis usem substâncias refrigerantes inofensivas ao clima, o que era uma transição vista como relativamente simples. Um composto chamado 1234yf foi considerado adequado. Mas, neste ano, a UE adiou o plano: fábricas chinesas que produzem essa substância ainda estão obtendo registro governamental. A patente, pertencente à Honeywell, está sendo contestada. E a Alemanha não concluiu os testes de segurança.

A GIZ Proklima, agência do governo alemão, está promovendo o uso de aparelhos de ar-condicionado inofensivos para o clima na Índia e na China. "As tecnologias estão disponíveis", disse Markus Wypior, funcionário da agência. "Elas são bem conhecidas. Estão provadas, embora não em escala industrial. Então por que não estamos avançando?"

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