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Mulher e solteira no Irã

Mulheres solteiras começam a ser mais aceitas no Irã

Por THOMAS ERDBRINK

Teerã

Shoukoufeh é estudante de literatura inglesa vinda de uma cidade do interior do Irã. Quando ela decidiu alugar um apartamento para viver na capital, passou primeiro numa joalheria e comprou uma aliança de casamento por US$ 5.

Acostumada a conviver com mentiras para conseguir driblar a etiqueta da sociedade iraniana, onde tradicionalmente se espera que as mulheres vivam com seus pais ou com seu marido, a estudante de 24 anos fazia questão de mostrar a aliança falsa a corretores imobiliários e locadores que, de outro modo, relutariam em alugar um apartamento a uma mulher solteira.

"Para eles e para meus vizinhos, minha colega de apartamento e eu somos duas mulheres casadas que se afastaram temporariamente dos maridos em função dos estudos", explicou ela. "Na realidade, somos solteiras."

Não existem estatísticas oficiais sobre o número de mulheres que vivem sozinhas nas grandes cidades do Irã. Mas professores universitários, corretores imobiliários, famílias e muitas jovens dizem que um fenômeno que há dez anos era muito raro hoje está se tornando comum, impulsionado pelo fluxo contínuo de mulheres que ingressam nas universidades e pelo aumento no índice de divórcios.

A mudança deixou clérigos e políticos esforçando-se para lidar com uma geração de jovens que criam vidas independentes, longe do controle de pais ou maridos, numa sociedade dominada por tradições. Na ânsia de impedir que a tendência se alastre, o governo lançou uma campanha para promover casamentos rápidos e a baixo custo -mas, segundo especialistas, a campanha teve efeito contrário ao desejado, na medida em que aviltou uma instituição profundamente enraizada na cultura milenar iraniana.

Com isso, as jovens são obrigadas a desenvolver estratégias para cuidar delas mesmas numa sociedade em que muitas das normas sociais são baseadas numa desconfiança profunda da sexualidade feminina. Shoukoufeh, que não quis dar seu nome completo por medo de perder seu contrato de aluguel, disse que, quando ela anda pelo corredor do prédio, olhos curiosos a espreitam pelos vãos das portas. Mas ela afirma que deriva sua força de seus pais, que apoiaram sua decisão.

"Eles sabem que eu quero ser independente", disse ela em tom decidido. "Compreendem que os tempos mudaram."

No passado não tão distante, as mulheres solteiras eram fortemente estigmatizadas, suspeitas de imoralidade ou tachadas de solteironas que não estavam cumprindo seu papel na vida.

Tudo isso vem mudando nas grandes cidades, porém, devido ao número grande de solteiras, mas também graças à presença da televisão via satélite, das mídias sociais e do baixo custo das viagens para fora do país. São fatores que, para muitos iranianos, ajudam a mudar as atitudes.

Nos últimos dez anos, o número de estudantes matriculados em universidades vem subindo muito e hoje as mulheres respondem por quase 60% do total.

No mesmo período, o índice de divórcios subiu 135%, obrigando a sociedade a começar a aceitar mais a presença de mulheres solteiras. "Muitos de minhas amigas estão vivendo sozinhas, especialmente as que vieram de cidades pequenas para estudar em Teerã", comentou Shoukoufeh.

Para ela, a vida na cidade grande, com suas oportunidades e suas liberdades, criou novas ambições. "Quando minha mãe era jovem, casar-se e ter filhos era o único sucesso que a mulher podia ter", comentou Shoukoufeh, que pretende deixar o país para seguir adiante com seus estudos. "Hoje, pelo menos para mim, isso é o menos importante."

Para as autoridades, que promovem a maternidade como virtude sagrada mas também enxergam o ensino superior como ambição nacional, o casamento é a única solução possível para o número cada vez maior de solteiras. "Os jovens não casados estão nus. O casamento é como uma roupa divina", disse no mês passado o aiatolá Kazem Saddighi.

As cerimônias de casamento tradicionais são caras e complicadas no Irã, o que dificulta as coisas para muitos solteiros que querem se casar.

Para tentar barrar a tendência, o governo lançou campanha para promover casamentos rápidos e baratos. Mas o efeito foi o contrário do desejado. "Ao invés de tornar o casamento mais atraente, o converteram em fast food", afirmou Mohammad Amin Ghaneirad, chefe da Associação Sociológica Iraniana. "Os casamentos são dissolvidos tão facilmente quanto são celebrados."

No passado, as mulheres divorciadas eram condenadas a vidas de solidão, escondidas na casa de seus pais, onde a sociedade previa que ficassem. Mas o aumento muito grande nos divórcios, além dos salários mais altos que acompanham um diploma universitário, estão permitindo que muitas mulheres redefinam o sucesso.

"Para minha surpresa, meus pais também queriam que eu vivesse sozinha", disse Nazanin, 35. Como gerente de uma empresa de cosméticos, sua renda lhe permitiu alugar um apartamento, após deixar seu marido dependente de drogas. "Creio profundamente em Deus", disse ela. "Ele quis isto para mim. Minha vida como solteira é tão melhor."

Nazanin, que não quis que seu sobrenome fosse citado, contou que todo o mundo em seu trabalho é divorciado. "A sociedade não tem outra opção senão nos aceitar", ponderou. "Espero que o Estado faça o mesmo."

Somaye Malekian colaborou com reportagem

FATOR FEMININO
Artigos desta série expoem recentes mudanças de poder, proeminência e impacto das mulheres em várias sociedades ao redor do mundo e tentam mostrar a influência crucial das mulheres no início deste século 21

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