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Artefatos que se tornam intocáveis

Por RALPH BLUMENTHAL e TOM MASHBERG

Em três décadas colecionando antiguidades chinesas, David Dewey, de Minneapolis, já doou dezenas delas aos seus museus favoritos, enriquecendo o Instituto de Artes da sua cidade e o Middlebury College, de Vermont, onde ele estudou mandarim.

Mas suas doações tiveram de parar, disse ele, por causa das regras adotadas pela maioria dos museus para o recebimento de peças. "Eles simplesmente não aceitam mais -não podem aceitar", afirmou.

Alan Dershowitz, professor de direito em Harvard, enfrenta situação semelhante. Colecionador de antiguidades, ele está ávido por vender um sarcófago egípcio que adquiriu da Sotheby's no começo da década de 1990. Mas agora as casas de leilões estão mais rigorosas quanto aos itens que aceitam em consignação.

"Não consigo provar quando ele saiu do Egito", disse Dershowitz.

Os museus geralmente não aceitam mais artefatos sem documentação prévia a 1970, data estabelecida pela Associação dos Diretores de Museus de Arte dos Estados Unidos.

As regras, redigidas em 2008, têm sido aplaudidas por países que buscam recuperar seus artefatos e por arqueólogos que desejam estudar objetos em seus ambientes naturais.

Mas essa mudança de atitude faz colecionadores "micarem" com itens que eles dizem ter adquirido de boa fé há muitos anos, junto a negociantes de boa reputação. Os colecionadores e seus defensores preveem que os museus, a pesquisa cultural e os próprios objetos irão se ressentir das proibições às doações. Kate Fitz Gibbon, advogada do Instituto de Pesquisas em Políticas Culturais, em Santa Fé (Novo México), alertou que "se continuarmos neste caminho, pode não haver uma próxima geração de colecionadores, doadores ou patronos da arte antiga, pelo menos não nos Estados Unidos da América".

Outros veem um exagero nessa posição.

"O colecionismo de antiguidades destrói bem mais do que salva", disse Ricardo Elia, professor de arqueologia da Universidade de Boston e especialista no mercado global de arte. "O saque é guiado pelo mercado de arte, pela oferta e demanda."

Há séculos, os colecionadores ajudam a definir gostos artísticos e são a espinha dorsal dos museus. Mas o comércio de antiguidades começa, na sua origem, com um ato de apropriação: a remoção de artefatos de um local nativo para outro onde, no caso dos museus, eles podem ser mais acessíveis a pesquisadores e ao público.

"Os colecionadores sabem que, sem [prova de] procedência, é impossível saber se um objeto foi inicialmente adquirido por meios ilegais ou destrutivos", disse o arqueólogo Neil Brodie, ex-diretor do Centro de Pesquisas de Antiguidades Ilícitas, da Universidade de Cambridge.

As regras mais rígidas ganharam apelo há alguns anos, depois de escândalos envolvendo a aquisição de peças pelo Museu J. Paul Getty, em Los Angeles, e outras instituições. As atuais políticas desencorajam os museus a comprarem ou aceitarem objetos que não passem pelo "teste de 1970", ou que careçam de uma autorização de exportação do país de origem.

Há vários anos, o Instituto de Pesquisas da Política Cultural estimou que até 111,9 mil objetos antigos gregos, romanos, etruscos e de culturas correlatas estão em mãos de americanos sem a procedência estabelecida.

Arthur Houghton 3°, presidente do instituto, disse que, se forem rejeitados pelos museus, esses objetos "órfãos" tendem a acabar na mão de particulares em outros países. Mas Elia vê a tese da "orfandade" como uma "mitologia" paternalista.

"Ela ignora o fato de que o comércio e colecionismo causam os saques em primeiro lugar", disse o professor. "Para cada objeto 'resgatado' por saqueadores, negociantes e colecionadores, há uma trilha de sítios destruídos, conhecimento perdido, artefatos quebrados e leis violadas."

Os colecionadores estão inquietos. Eles temem que, submetendo itens sem documentação a leilão, estejam se expondo a litígios judiciais com nações estrangeiras, ou até a uma tentativa de confisco por parte de autoridades dos Estados Unidos servindo como agentes de outros países.

Houghton sugere a criação de uma espécie de anistia para colecionadores que divulgarem fatos e fotos sobre artefatos potencialmente contestados em um banco de dados "confiável e neutro". Se o objeto não for reivindicado após alguns anos, disse ele, sua posse não poderá mais ser contestada.

Dershowitz disse que não se abalou com a impossibilidade de vender o sarcófago egípcio de madeira que ele adquiriu da Sotheby's. Por enquanto, a peça está num limbo. Atualmente, ele mantém consigo outro sarcófago egípcio que nem tenta vender. "Guardo ele em casa", contou, "no corredor".

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