Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Tendências Mundiais

Voluntários monitoram protestos no Chile

POR PASCALE BONNEFOY

SANTIAGO, Chile - Eles surgem nas manifestações estudantis que estão enchendo as ruas e ocupando as escolas de Santiago: pequenas tropas de observadores com capacetes azuis ou brancos, armados de notebooks, câmeras, gravadores de voz e máscaras de gás.

Eles não estão lá para participar dos protestos nem para interferir, só para monitorar e registrar o que acontece quando a polícia reprime os protestos e para ajudar quem fica ferido ou sofre abusos.

Os observadores voluntários, conhecidos como "capacetes", são cidadãos comuns, de todas as idades e situações de vida.

"Precisamos registrar a prova do que estamos vendo", disse Marta Cisterna, 45, porta-voz de um grupo de "capacetes", os Observadores dos Direitos Humanos. "Ninguém mais está monitorando as ações policiais."

O governo declarou tolerância zero para as ocupações de escolas e determinou a forças policiais especiais que esvaziem os edifícios. Passeatas de protesto geralmente degringolam para batalhas nas ruas contra a polícia. Estudantes já sofreram lesões na cabeça, fraturas de nariz, problemas respiratórios e humilhações sexuais por parte da polícia.

Antes de cada protesto, os "capacetes" se falam por telefone para distribuir tarefas e locais. Nas ruas, usam capacetes com as letras DDHH -sigla de "direitos humanos"- e também grandes credenciais penduradas no pescoço. Eles têm noções de direito e regras rígidas a seguir: jamais interferir nos fatos, não xingar a polícia, sempre trabalhar em duplas.

"A primeira coisa que fazemos é abordar o oficial responsável", disse Cisterna, que é fonoaudióloga. "Dizemos a ele que estamos lá para observar os procedimentos policiais. Não intervimos, não tentamos tirar detentos deles, mas os informamos quando eles estão fazendo algo ilegal ou irregular, que eles não podem bater nas pessoas, e que estamos observando e temos seus nomes e patentes. Eles prestam atenção."

Seu grupo foi um dos primeiros a usar capacetes brancos. Os membros do sindicato Sutra também os usam ao monitorar a polícia durante greves, protestos trabalhistas e ações estudantis. Um terceiro grupo, os Observadores de Defensores dos Direitos Humanos, usa capacetes azuis, semelhantes aos das forças de paz da ONU.

Juntos, esses grupos reúnem algumas dúzias de voluntários. Para eles, agosto foi um mês cheio. Os estudantes ocuparam mais de 25 escolas de ensino médio e o prédio principal da Universidade do Chile e estão greve em pelo menos outras oito universidades. Um grupo de colegiais entrou em greve de fome e outros se acorrentaram a prédios públicos e ocuparam escritórios da Unesco em Santiago.

Em 23 de agosto, 10 mil estudantes marcharam a partir de 14 pontos da capital, e quase 140 foram presos.

Os organizadores dos protestos já têm o hábito de chamar de antemão os "capacetes". "Eles se sentem mais protegidos se estamos lá", disse Germán Chau, 66, monitor de educação adulta dos Observadores de Direitos Humanos.

Os próprios capacetes às vezes são detidos. Matías Sotelo, 23, voluntário da Cruz Vermelha, foi preso em 20 de junho ao ajudar um estudante que sofria parada respiratória durante uma passeata. Sotelo diz ter sido agredido, empurrado para dentro de um ônibus da polícia e mantido isolado por oito horas.

Os "capacetes" fotografam o que veem, e gravam relatos orais de manifestantes e testemunhas. Anotam placas de veículos policiais e os nomes dos comandantes, e catalogam todos os detidos. Grande parte da informação é divulgada pelo Twitter.

"Às vezes, passamos a noite em claro -não dormimos nem comemos muito, e gastamos nosso próprio dinheiro, mas precisamos estar lá", disse Luis Parra, 56, advogado voluntário dos Observadores de Direitos Humanos.

Os grupos redigem relatórios após cada manifestação e os enviam a uma comissão parlamentar de direitos humanos, ao Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU no Chile e a organizações internacionais.

Um advogado de um estudante que disse ter sido torturado junto com colegas numa delegacia apresentou como prova judicial os registros dos observadores.

"Conseguimos entrar na delegacia e vimos as condições em que eles estavam", disse Cisterna. "Estávamos falando de tortura: eles contaram que tiveram suas cabeças colocadas à força em latrinas, armas apontadas para suas cabeças, que foram agredidos até ficarem inconscientes, e que um policial abaixou suas calças para lhes mostrar seus genitais."

Tudo isso começou há um ano, quando uma rede de grupos de direitos humanos enviou dois membros para observar um "panelaço" numa praça.

"É gratificante", disse Parra. "A garotada aprecia o nosso trabalho, porque ninguém mais o está fazendo."

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.