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Diário de Beirute

Nos cinemas, um reflexo da mudança

Por DAMIEN CAVE

BEIRUTE, Líbano - As cortinas de veludo vermelho se abriram e um Líbano de fantasia emergiu, desprovido de disputas por causa de seitas, política ou nacionalidade.

Uma cantora mexicano-libanesa apresentou duas músicas em espanhol. Artistas árabe-cubanos entraram em seguida e, depois, uma mulher berrando canções de Adele, um violonista cigano cabeludo, um egípcio cantando em francês e um imponente militar entoando canções patrióticas sobre o Líbano.

No meio disso, uma banda de dez integrantes tocava repetidamente a música "Stairway to Heaven".

"É como ter um DJ, mas é ao vivo", disse Michel Elefteriades, dono dessa casa noturna, chamada Music Hall. "Este é um país onde não temos um monte de coisas, onde não temos parques nem zoológico para as crianças. O que temos são cinemas, restaurantes e casas noturnas."

A Music Hall é um pouco das três coisas -um palácio do cinema restaurado, cujo passado pode ser visto no piso inclinado e no pé direito alto. É um exemplo do Líbano que muitos aqui querem projetar para o mundo: aberto e tolerante, bem no coração do Oriente Médio.

Mas outros antigos cinemas daqui complicam o retrato reluzente. Isso inclui o Egg, antiga sala que os preservacionistas tentam salvar, mas que está agendada para ser demolida e dar espaço aos arranha-céus que fazem do centro de Beirute um espelho de Dubai.

Também entra na lista o pequeno cinema de bairro onde em julho a polícia prendeu 36 homens, submetendo-os a exames anais para determinar se eram homossexuais.

Os velhos cinemas daqui, portanto, refletem as versões conflitantes de Beirute que estão sempre disputando a primazia, assim como os partidos políticos e milícias que lutam pelo poder.

O cineasta libanês Mohammed Soueid, autor de um livro sobre a história do cinema local, vê as velhas salas de exibição como exemplo do que chama de "grande mentira" do Líbano, a ideia de que a própria diversidade (uma mulher de minissaia ao lado de outra de véu) é sinal de sucesso.

"Você tem uma sociedade multifacetada, com algo como 17 religiões diferentes. Esse modelo não é funcional e já pagamos caro por isso", afirmou ele.

Os cinemas já tiveram um papel mais unificador. A persistente influência da França, que dominou o Líbano de 1920 a 1943, contribuiu para o hábito de ver filmes.

Quando a guerra civil começou, em 1975, havia dezenas de cinemas espalhados pela capital, e foi só questão de tempo para que eles virassem parte do conflito. Em Hamra, bairro da zona oeste, atiradores usaram vários cinemas em subsolos para armazenar munições.

Muitas das velhas salas permanecem, mas de formas diferentes. Um dos palácios do cinema abrigou uma Virgin Megastore.

Mas Beirute está cada vez mais interessada em eliminar do que em reformar. Ao redor do Egg, há guindastes e torres de vidro por todo lado.

"É a cobiça total", disse Elefteriades. "Não há respeito por aquilo que faz um país ser um país."

Dalal Mawad colaborou com reportagem

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