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Ensaio - Elaine Sciolino

Magia que vale seu peso em sal

ÎLE DE RÉ, França - Toda tarde, quando o tempo está bom nesta ilha da costa oeste da França, a evaporação da água em tanques artificiais faz com que as mais ínfimas partículas de sal venham à tona.

No começo da noite, elas formam crostas brilhantes, com bordas rendadas, que parecem gelo. É a "fleur de sel" (flor de sal) a "crème de la crème" do sal, tão delicada que precisa ser colhida imediatamente; a umidade noturna ou uma repentina rajada de vento podem destruí-la.

Na ilha de Ré, cada grão, cada cristal do seu mais famoso produto agrícola, o sal, é colhido à mão e comercializado puro, em estado bruto.

Ainda mais interessantes são os "sauniers", termo local para os colhedores de sal, trabalhando em lugares que há mais de um século e meio Balzac descreveu como "aqueles pântanos da melancolia onde o sal é feito".

Seu mundo gira em torno dos caprichos do clima.

Uma combinação de sol quente e de vento suave e seco é necessária para ocorrer a evaporação ideal nos lagos de argila, rasos e retangulares, cujo nível é controlado por um sistema de tubulações que leva ao mar.

É um mundo muito distante da fabricação industrial de sal marinho, que disparou globalmente nos últimos anos.

O sal marinho industrial é produzido em vastas quantidades na costa do Mediterrâneo com escavadeiras e esteiras transportadoras; novas empresas têm surgido até nas costas do Chile e Ilhas Maurício.

Mas, para os puristas, nada se compara ao sal marinho colhido à mão na região litorânea de Guérande, na Bretanha (norte da França).

Guérande produz cinco vezes mais sal que a ilha de Ré, e construiu um sofisticado império internacional de exportação e marketing.

Em março deste ano, após 15 anos de campanha, os produtores de sal de Guérande obtiveram da União Europeia o status de "indicação geográfica protegida", o que lhes confere a exclusividade do nome "sal de Guérande".

É a primeira vez que essa distinção é concedida a um sal europeu.

Guérande é excelente, o controle de qualidade e o marketing são impecáveis, seu treinamento é admirável.

Mas não é o meu mundo. E, após anos olhando para o sal como consumidora, eu quis chegar perto da sua origem.

Assim, na companhia de Emmanuel Mercier, me vi numa noite segurando um cabo de três metros preso a uma escumadeira de acrílico, diante de dezenas de tanques retangulares cobertos por finas crostas de sal.

Mercier, 39, começou como vendedor de sal. Apaixonou-se pelo produto e há 12 anos se transferiu para cá com a família, para fabricá-lo por conta própria.

Ele hoje é presidente da Cooperativa de Sauniers da Ilha de Ré, que seca, inspeciona, armazena, embala e comercializa flor de sal e "gros sel" para 50 associados ("gros sel" é o sal grosso, de uma variedade cinzenta).

Então, não era surpresa que ele se vestisse de forma bastante simples, de bermuda e camiseta branca, com o logotipo da cooperativa.

Ele havia passado a manhã colhendo sal grosso, que havia sido deixado em pequenas pilhas às margens dos diques.

Mercier me deixou provar os cristais, que explodiram na minha boca com o gosto do mar e de minerais como magnésio, ferro, potássio e zinco.

Quem imaginaria que o sal poderia ser tão doce, nada amargo?

Entendi por que esse sal é usado principalmente à mesa, como toque final nos pratos, e raramente na hora de cozinhar.

A flor de sal costuma ser servida num potinho com uma colher para polvilhar. Ele pode ser mais úmido ou mais seco, macio ou duro, com grãos de tamanhos e formatos ligeiramente diferentes.

Pegar nos brilhantes cristais e sentir o contraste entre os seus dedos é parte do prazer.

Nem todos os salineiros da ilha pertencem à cooperativa.

Confesso que compro meu sal, mais barato, de Viviane Baneletti, uma das rebeldes independentes do local.

Baneletti, 63, manteve as salinas e se encarrega de todas as etapas da produção desde que seu marido morreu, há três anos, após 32 na atividade.

"Ser independente significa isso mesmo", disse ela. "Faço o que quero, quando quero. Ninguém controla o meu produto."

Compro sal grosso aqui por apenas € 1 (cerca de US$ 1,25) o quilo, e a flor de sal, bem mais rara, por apenas € 10 o quilo.

Também caio direitinho nas misturas marqueteiras que ela faz de sal grosso com ervas, especiarias e até algas. Neste ano, ela misturou flor de sal com pimenta de Espelette moída.

Acabo voltando a Paris todos os anos com sacolas sempre cheias do sal dela.

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