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Um menino à deriva com um tigre: uma prova de fé

O equilíbrio entre a delicadeza e o espetáculo

Por ANUPAMA CHOPRA

"Você se torna o filme que está fazendo", comentou recentemente o diretor premiado com o Oscar Ang Lee. O filme em questão é "Life of Pi", baseado no premiado romance fantástico sobre um garoto e um tigre de Bengala à deriva num barco por 227 dias.

Embora faltem poucos meses para "Life of Pi" ser lançado (o filme estreia em todo o mundo em novembro e dezembro deste ano), Ang Lee ainda o estava editando.

"Sou como Pi", explicou ele. "Me sinto à deriva no oceano Pacífico. Ainda não tenho certeza de tudo no filme. Há muitas confusões, surpresas constantes. Há horas em que você se sente derrotado. Você sente que sua fé está sendo testada. Quando você está no oceano, é uma coisa espiritual. Eu olho para Deus e pergunto 'por quê?'. Mas é um 'por quê?' feliz."

Ang Lee sempre foi destemido em suas escolhas cinematográficas. Sua obra, que ele começou a criar há 20 anos, inclui um filme baseado num romance de Jane Austen ("Razão e Sensibilidade"), um épico chinês de artes marciais ("O Tigre e o Dragão"), uma adaptação de história em quadrinhos ("Hulk") e o profundamente comovente "O Segredo de Brokeback Mountain", a história de amor de dois caubóis, pela qual Lee recebeu o Oscar de melhor diretor em 2006.

O livro complexo de Yann Martel relata a travessia do Pacífico feita por Pi e conta como ele enfrenta o desespero, a fé e um tigre faminto. Outros diretores já tinham pensado em adaptar "A Vida de Pi" para o cinema, entre eles M. Night Shyamalan e Alfonso Cuarón. O livro se presta a muitas interpretações.

"Eu adorei o livro, mas é muito difícil de decifrar", disse Lee. "Pensei, você não pode fazer um filme sobre religião, mas pode ser um filme sobre o valor de contar histórias e como isso traz estrutura e sabedoria para a vida. É uma história sobre o processo de virar adulto. É sobre ter fé."

O trailer de "Life of Pi" inclui imagens quase sobrenaturais de animais, peixes e céus estrelados. Mas, para Lee, o segredo foi equilibrar as cenas espetaculares com os "momentos delicados".

Sobre sua decisão de filmar "Pi" em 3D, ele disse: "Existe uma certa ideia sobre o 3D, mas, só porque ninguém até agora criou um filme íntimo em 3D, isso não significa que isso não possa ser feito".

As filmagens começaram com duas semanas na Índia em 2011. Após dez dias em Pondicherry, Ang Lee transferiu a equipe para Munnar, uma cidadezinha nas montanhas do sul da Índia popular com diretores indianos.

Durante o trabalho ali, Lee falou sobre um "deus do cinema" que preside sobre cada projeto. "Um filme parece ter vida própria", explicou ele. "Você não cria o filme -você o inicia porque ouve um chamado. Fazer um filme não é algo ditatorial. É preciso ser humilde, ser terno, comunicar-se com sensibilidade, reconhecer suas falhas, compartilhar seus sonhos e permitir que eles sejam relatados."

Irrfan Khan, o ator indiano que representa Pi mais velho, descreveu a experiência, num e-mail, como "uma busca, uma jornada, uma exploração". Ele disse ainda: "Ang se coloca na linha de fogo".

Pi quando jovem é representado por um indiano desconhecido, Suraj Sharma, 17, cujos pais, por acaso são matemáticos. Esse fato deixou Ang Lee encantado. "Quais são as probabilidades de dois matemáticos terem um filho que faz o papel principal num filme intitulado 'Vida de Pi'?" perguntou ele.

Antes das filmagens, a mãe de Sharma fez uma cerimônia em que nomeou Ang Lee guru de seu filho. Lee, que nasceu em Taiwan mas vive nos Estados Unidos há 30 anos, declarou: "Não tenho superpoderes. Não sou um swami. Mas eu o encarei como meu filho. Procurei exercer o papel de guru da melhor maneira que pude."

Suraj Sharma treinou sete dias por semana por três meses em Taiwan. Seu treino incluiu aprender a nadar. Boa parte do filme foi rodada num tanque de água gigantesco construído em Taiwan.

Ang Lee disse que o estresse gerou uma inversão de papéis. O garoto tornou-se o "líder espiritual". "Ele nos fez lembrar a razão de querermos fazer filmes", falou Lee. "Cada dia era um milagre."

O custo de "Life of Pi" preocupa o diretor. "Estamos fazendo um filme sensível", explicou ele. "Normalmente isso custa pouco. A sensibilidade e o dinheiro são linhas que correm em paralelo. Elas não se encontram."

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