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Filme dobra o tempo e a mente

Por CHARLES McGRATH

Talvez seja possível escrever um romance mais "infilmável" que "Cloud Atlas", de David Mitchell, mas seria preciso fazer um esforço. Aclamado pela crítica e incluído entre os finalistas para o Man Booker Prize de 2004, o livro apresenta seis narrativas interligadas que se aninham uma dentro da outra.

Em ordem cronológica, são as histórias de um tabelião americano do século 19 que está voltando a seu país de navio, vindo da Austrália, um jovem compositor britânico bissexual que é assistente de um músico idoso em Flandres, na Bélgica, na década de 1930, uma jornalista investigativa que está buscando informações sobre uma empresa de energia na Califórnia dos anos 1970, um editor de livros baratos preso num asilo para idosos na Londres contemporânea, uma coreana gerada por engenharia genética que trabalha num restaurante, em 2144, e um pastor de cabras que vive no Havaí, ou o que foi o Havaí no passado, num futuro pós-apocalíptico.

Mas o livro não se desenrola em ordem cronológica. Excetuando a história do pastor de cabras, que permanece ao centro, as outras narrativas são interrompidas ao meio e depois retomadas em ordem inversa, de modo que o livro se desenrola como um palíndromo. Ah, mais uma coisa: a narrativa do pastor de cabras é escrita numa espécie de inglês crioulo que o autor inventou.

A versão cinematográfica de "Cloud Atlas" foi escrita e dirigida por Tom Tykwer e os irmãos Lana (antes Larry) e Andy Wachowski e é estrelada por Tom Hanks, Halle Berry e Hugh Grant (cada um dos quais representa seis papéis).

Andy Wachowski disse: "Não tínhamos certeza de que pudesse ser feito. Quando começamos a escrever o roteiro, estávamos céticos. Foi uma espécie de exploração, apenas para ver se seria possível."

Os Wachowski, cujos três filmes "Matrix" renderam bem mais que US$ 1 bilhão em todo o mundo, antes gozavam de credibilidade enorme em Hollywood. No entanto, o fracasso de "Speed Racer" mudou a situação. Nem todos que leram o roteiro de "Cloud Atlas" acreditam que as plateias vão se dispor a passar quase três horas tentando acompanhar a história.

O diretor alemão Tom Tykwer, 47, ficou conhecido pelo filme "Corra, Lola, Corra", obra que não relata exatamente várias histórias, mas sim a mesma história repetidas vezes, com variações sutis. Os irmãos Wachowski (ela tem 47, ele, 44), nos filmes "Matrix", postulam que a própria realidade não passa de uma história.

Os diretores descartaram de imediato a ideia de narrar as seis histórias do filme de modo sequencial. "Tente imaginar: você está sentado no cinema há 90 minutos e aí começa uma história inteiramente nova", disse Lana Wachowski.

Em vez disso, eles decompuseram o livro em centenas de cenas, que transcreveram em fichas de cores diversas que então embaralharam, procurando padrões. Começaram a enxergar certas semelhanças entre personagens nas diferentes narrativas e tiveram a ideia de ter um mesmo ator representando papéis diversos.

Na prática, eles pegaram algo que é um motivo relativamente menor no livro -a ideia da recorrência eterna- e o converteram num dos temas principais. E sobrepuseram a isso uma trama de progressão moral, de modo que Tom Hanks passa de o pior personagem do filme, um médico que tenta envenenar o tabelião do século 19, para o melhor.

David Mitchell aprovou todas as ideias, incluindo infidelidades ao livro, como o fato de parte da ação ter sido transposta para outro planeta (Mitchell chega a fazer uma ponta no filme).

"Se segue o espírito do livro e é algo que funciona no filme, então vamos nessa", disse.

Outra pessoa que foi uma das primeiras a ler o roteiro foi o ator Tom Hanks. "Os roteiros muitas vezes deixam tudo pronto para você, mas esse era como a planta de uma obra arquitetônica complexa", disse.

"Eles fizeram voluntariamente um roteiro denso e complicado em que nada parece fazer sentido -até que as cenas começam a encontrar correspondências. Foi um empreendimento artístico limpo, puro."

Muito poucos executivos de estúdios compartilharam o entusiasmo de Hanks. Por isso, "Cloud Atlas", com orçamento que chegou a US$ 100 milhões e contou com a distribuição da Warner Brothers, precisou ser financiado independentemente através de investidores privados, muitos deles da Ásia.

Por razões de logística e economia, boa parte do filme foi rodada no estúdio Babelsberg, perto de Berlim. Tykwer dirigiu a sequência do compositor, a história da jornalista e a do editor preso num lar de idosos. Os irmãos Wachowski ficaram com a narrativa a bordo do navio e com as duas futuristas -fato que não causou surpresa.

Os atores, enquanto isso, se descobriram andando entre sets, representando papéis diferentes em séculos distintos, às vezes no mesmo dia.

Tom Hanks contou que eles se habituaram a isso em muito pouco tempo.

"Eles são almas gentis", falou Hanks, aludindo aos três diretores. "O trabalho foi altamente desafiador de todas as maneiras possíveis. Eles deveriam ter entrado em pânico, mas não houve pânico."

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