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Influência do Brasil incomoda vizinhos

Estrada deixa grupos indígenas em pé de guerra

Por SIMON ROMERO
LA PAZ, Bolívia - Manifestantes indígenas calçando sandálias insultaram seu presidente, chamando-o de "lacaio do Brasil". Manifestações iradas na frente da embaixada do Brasil aqui denunciaram suas tendências "imperialistas". Intelectuais bolivianos criticaram a "burguesia de São Paulo", comparando-a aos caçadores de escravos que expandiram as fronteiras do Brasil colonial.
Essas palavras aquecidas costumavam ser reservadas ao Estados Unidos. Mas enquanto a dominação americana na região recua e o Brasil utiliza sua nova força política e econômica, também começa a experimentar as armadilhas do poder: uma reação contra a potência ascendente do hemisfério.
"O poder mudou de um lado para o outro da Avenida Arce", disse Fernando Molina, um colunista de jornal local, referindo-se à rua de La Paz onde fica a residência do embaixador brasileiro, em frente à imponente embaixada americana.
As recentes iniciativas brasileiras estão encontrando desconfiança em muitos países vizinhos. Uma proposta de construir uma estrada pela selva da Guiana até seu litoral parou por causa de temores de que o Brasil pudesse inundar seu pequeno vizinho com migrantes e comércio.
Na Argentina, as autoridades suspenderam um grande projeto de uma companhia mineradora brasileira, acusando-a de não contratar um número suficiente de moradores locais. A tensão no Equador sobre uma usina hidrelétrica levou a uma amarga batalha jurídica, e protestos dos índios asháninka na Amazônia peruana puseram em questão um projeto brasileiro de barragem.
Mas talvez nenhum projeto brasileiro na região tenha provocado tanta ira quanto este na Bolívia.
Financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico do Brasil (BNDES) -um gigante financeiro que supera em muito os empréstimos do Banco Mundial e se tornou um meio de o Brasil projetar seu poder em toda a América Latina e além dela -, o plano era construir uma estrada através de um remoto território indígena boliviano. Mas ele provocou uma revolta; centenas de manifestantes indígenas chegaram aqui em outubro depois de uma terrível marcha de dois meses que os levou pelos picos dos Andes, denunciando seu antigo campeão, o presidente Evo Morales, por apoiá-lo.
Morales, o primeiro presidente indígena da Bolívia e um ambientalista confesso, se viu em atrito com uma parte importante de sua base política, defendendo um projeto brasileiro que poderia aumentar o desflorestamento. Ele finalmente cedeu às exigências dos manifestantes e cancelou a estrada em seu território.
Empresas de outros países, notadamente a China, também estão se expandindo rapidamente na América Latina e às vezes enfrentam hostilidade. Mas o Brasil é o maior país da região, com uma população de 200 milhões, e o tamanho e a ousadia de sua ascensão na última década ajuda a explicar parte da tensão que ele provoca.
Centenas de milhares de imigrantes brasileiros e seus descendentes se instalaram no Paraguai, comprando terra para a agricultura em grande escala em um país com uma população muito menor. Chamados de brasiguaios, eles foram ao mesmo tempo festejados por ajudar no sucesso econômico do Paraguai e demonizados por controlar grandes áreas de terra, levando ativistas até a queimar bandeiras brasileiras.
O Brasil conta com um corpo diplomático sofisticado, pagamentos crescentes de ajuda estrangeira e os grandes bolsos de seu banco de desenvolvimento, que financia cada vez mais projetos na América Latina e na África.
Aqui na Bolívia os EUA já tiveram uma influência sem rival, antes da eleição de Morales em 2005. Desde então, Morales se chocou diversas vezes com Washington enquanto aquecia as relações com outros países, sobretudo Brasil, Venezuela, Cuba e Irã.
Mas o perfil do Brasil cresceu. Uma empresa brasileira, a OAS, ganhou o contrato da estrada de US$ 415 milhões em 2008, com financiamento do BNDES. Ele emprestou US$ 83 bilhões em 2011. O Banco Mundial, em comparação, emprestou US$ 57,4 bilhões.
A estrada tem uma importância estratégica para os plantadores de coca, talvez o eleitorado mais fiel de Moraes, formado principalmente por indígenas das etnias quíchua e aymara.
Enquanto a marcha contra a estrada avançava em agosto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voou para a Bolívia para se encontrar com Morales.
Assessores de Lula disseram que a estrada não tem nada a ver com traições ou obtenção de recursos, mas isso não reduziu a tensão do conflito.
"É óbvio que o Brasil quer apenas nossos recursos", disse Marco Herminio Fabricano, 47, um artesão do grupo indígena mojeño, que estava entre os manifestantes na capital La Paz. "Evo acha que pode nos trair com seus aliados brasileiros."

Sara Shahriari contribuiu com reportagem

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