Índice geral New York Times
New York Times
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Análise

Países ricos encaram a hora da verdade

O que parece justo é o oposto do que é preciso para justiça

Por DAVID LEONHARDT
WASHINGTON - Enquanto a Grécia luta para formar um governo capaz de impor medidas de austeridade à sua exausta população, a Europa continua como sempre, dando dois passos rumo à solução da sua crise fiscal, e então dois passos atrás.
Já os EUA esperam que a nova comissão parlamentar para a redução do déficit tenha sucesso onde outras fracassaram.
Esse ciclo de burocracia e impasse se repete há meses. É tentador pôr a culpa em políticos ineficazes nos dois lados do Atlântico, e não seria de todo errado.
Mas essa não é toda a história. O fato é que a maior parte do mundo industrializado -Europa, EUA e também o Japão- está num momento econômico difícil.
Não há soluções simples, daquelas que receberiam uma rápida aprovação dos cidadãos, caso os políticos estivessem dispostos a experimentá-las.
A maior parte dos eleitores nesses lugares ainda não se habitou à noção de que foram prometidos benefícios que, com as atuais alíquotas tributárias, os Estados não podem arcar.
Suas economias crescem pouco, há muito tempo, para serem capazes de bancar a próxima leva de aposentados.
"Os EUA e a Europa precisam fazer escolhas difíceis por causa de duas coisas: crescimento menor e populações envelhecendo", disse o economista Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, Berkeley.
"As escolhas na Europa são mais difíceis que as dos EUA, porque suas perspectivas de crescimento são mais duvidosas."
No começo de novembro, o Parlamento grego deu um passo importante rumo à aprovação de um acordo europeu para reduzir a dívida do país, e surgiu alguma esperança. Mas a dinâmica principal não mudou.
A Europa ainda não reservou dinheiro suficiente para cobrir suas dívidas, e agora é a Itália que apresenta os problemas mais imediatos, segundo muitos economistas e analistas.
Nos EUA, uma comissão do Congresso parece fazer poucos progressos na redução do déficit.
As nações ricas enfrentam um agudo crescimento na demanda por seus recursos, os quais no entanto crescem com menos rapidez do que acontecia no passado.
Tal demanda decorre do envelhecimento populacional, ao passo que a menor geração de recursos deriva de uma desaceleração da expansão econômica ao longo da última geração.
Uma complexa mistura de fatores, variando de país para país, desacelerou o crescimento, o que foi exacerbado em todos os lugares pela pior crise financeira e a pior recessão global em 70 anos.
A combinação deixou a Europa e os EUA com populações frustradas, com mais sacrifícios a vir ainda pela frente.
"São questões morais dificílimas", disse Benjamin Friedman, historiador econômico da Universidade Harvard. "Estamos realmente falando do grau de apoio que damos à população de idosos aposentados."
Nos EUA, o debate se centra em tornar ou não o governo maior, para fazer frente ao envelhecimento da população, e em cobrar ou não mais impostos dos ricos.
Na Europa, o dilema envolve o encolhimento do governo, que é bem maior do que nos EUA, e se países ricos do norte do continente, como a Alemanha, devem sustentar os mais pobres, como Grécia e Itália, que também sofrem com a irresponsabilidade fiscal.
E, em todos os lugares, o debate vai bem além dos cenários eleitorais. Ele é filosófico.
"O país vai mal demais, e as pessoas desejam que o Congresso faça algo a respeito", disse o senador Mitch McConnell.
"E temos uma grande diferença de opinião sobre o que deve ser feito", acrescentou.
Os políticos, naturalmente, se expõem a críticas legítimas. McConnell e seus colegas republicanos obstruíram um projeto governamental de geração de empregos que tinha amplo apoio de economistas independentes.
E não disseram aos eleitores a verdade sobre os cortes no orçamento militar e nos programas sociais para idosos que seriam exigidos por causa da sua promessa de não criar novos impostos.
Os democratas prometem não elevar a taxação sobre famílias que ganham até US$ 250 mil por ano, o que parece impossível sem cortes de benefícios além dos já identificados.
Mas as pesquisas sugerem que explicar a realidade da futura matemática orçamentária traz poucas vantagens políticas.
"Todo mundo pensa: 'Meus impostos vão financiar os programas sociais dos outros'", disse Eichengreen, "e isso torna as pessoas ainda mais resistentes às soluções ou mudanças".
Jogando com esses sentimentos, os candidatos a presidente nos Estados Unidos e na França parecem pouco propensos a imporem medidas de austeridade aos seus irritados eleitores.
Os EUA e a Europa estão entre as sociedades mais ricas que o mundo já conheceu, beneficiando-se de forças de trabalho qualificadas, do Estado de direito e de liberdades políticas que costumam gerar inovações econômicas.
Os EUA continuam com juros baixos, num sinal de confiança dos mercados internacionais.
Mas os EUA e a Europa enfrentam o risco de que seus problemas se alimentem mutuamente.
A recente estagnação econômica pode deixar eleitores e políticos indispostos a fazerem escolhas duras, e a paralisia política poderá então piorar a economia, ao criar uma nova turbulência financeira.
Em um artigo na atual edição da publicação "The National Interest", Friedman chamou isso de "armadilha do não-crescimento".
Em curto prazo, ela assume a forma da resistência às medidas emergenciais, como o desgosto alemão com o resgate de países mais perdulários, o que pode elevar os déficits.
"O paradoxo central das crises financeiras", disse neste mês Timothy Geithner, secretário do Tesouro dos EUA, "é que o que parece justo é o contrário do que é preciso para um resultado justo".
Em mais longo prazo, a armadilha é criada pela resistência a mais impostos e menos benefícios, o que é um requisito para o retorno à estabilidade financeira.
A resistência é compreensível, diante da fragilidade no crescimento da renda, mas não é sustentável no longo prazo.
Com a Europa enfrentando nas próximas semanas uma série de decisões sobre a sua dívida, e a comissão parlamentar americana aproximando-se do prazo para concluir seus trabalhos, no dia 23, é tentador prever que as autoridades precisarão tomar em breve algumas decisões importantes.
Mas, se a história serve de guia, essas instituições podem também encontrar maneiras diferentes de adiar novamente essas decisões. Por tempo indeterminado.

Suzanne Daley contribuiu com reportagem de New York

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.