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New York Times

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Transplantes "sem sangue" prenunciam cirurgias do futuro

Por KEVIN SACK

HOUSTON - Em abril de 2012, após ser informada de que só um transplante a salvaria de uma fatal doença pulmonar, Rebecca Tomczak começou a ligar para hospitais conceituados dos EUA. Ouviu muitas vezes para procurar outro lugar.

É que Tomczak, então com 69 anos, é testemunha de Jeová e insistia em fazer o transplante sem transfusão de sangue. Essa religião acredita que as Escrituras proíbem a transfusão, mesmo do próprio sangue, sob risco de abrir mão da vida eterna.

Dada a complexidade dos transplantes pulmonares, em que transfusões são rotineiras, alguns médicos consideravam que o procedimento acarretava perigos inaceitáveis. Além disso, com mais de 1.600 pessoas gravemente doentes à espera de um pulmão doado, seria conveniente dar um deles a uma mulher que poderia sacrificar desnecessariamente sua vida e aquele órgão?

Então Tomczak, portadora de sarcoidose, uma doença de causa desconhecida, causadora de cicatrizes pulmonares, encontrou o médico Scott Scheinin no Hospital Metodista de Houston.

Ele havia sido persuadido por pesquisas de que as transfusões muitas vezes trazem riscos desnecessários. Escolhendo pacientes com baixas probabilidades de complicações, Scheinin achava que poderia operar sem transfusões quase com a mesma segurança do que com.

O caso de Tomczak -o 11° transplante pulmonar sem transfusão sanguínea tentado no Metodista em três anos- acabaria por se tornar mais um teste de uma abordagem inovadora, desenvolvida para respeitar a crença dos 8 milhões de testemunhas de Jeová no mundo, mas que pode em breve se tornar a prática padrão para todos os pacientes cirúrgicos.

Antes da cirurgia, Tomczak combinou com Scheinin que, se algo desse errado na cirurgia, ele a deixaria sangrar até a morte.

A técnica que Scheinin usa -originalmente chamada de "medicina sem sangue" e depois rebatizada de "gestão sanguínea do paciente"- existe há décadas. O primeiro transplante pulmonar "sem sangue" aconteceu em 1996, no hospital Johns Hopkins, em Maryland. Mas, quase 17 anos depois, o grau de dificuldade de tais procedimentos permanece elevado.

Nenhum dos dez pacientes que antecederam Tomczak apresentou problemas relativos a hemorragias cirúrgicas ou anemias pós-operatórias, segundo o médico.

Scheinin, 52, disse que as circunstâncias dessas operações o deixaram mais focado. "Se aceito fazer uma ponte aórtica num paciente que recusa sangue, é um risco que ambos assumimos", disse ele. "Com um transplante, se o paciente morre, você corre o risco de as pessoas dizerem que você desperdiçou um órgão precioso."

Mas Scheinin também se motiva por uma ideia mais ampla -limitar as transfusões para todos os pacientes cirúrgicos. Dados recentes mostram que 1 em cada 400 unidades transfundidas está associada a um evento adverso, como uma sobrecarga circulatória ou uma sépsis.

Mas, em dezenas de hospitais com programas voltados para testemunhas de Jeová -um mercado com 1 milhão de pacientes nos EUA-, pesquisadores descobriram que os pacientes em geral se saem bem sem transfusões.

A economia também ajuda o movimento da gestão sanguínea. Administradores do Metodista dizem que transplantes pulmonares sem sangue geralmente custam 30% menos que os outros transplantes pulmonares, em parte porque a gestão prévia dos níveis de hemoglobina resulta em menos complicações e em internações mais curtas.

Antes da cirurgia de Tomczak, os médicos receitaram doses de ferro intravenoso e de Aranesp, uma droga que estimula a produção de glóbulos vermelhos. Eles também limitaram o número de coletas de sangue para exames. Cada mililitro pode contar.

Enquanto Scheinin abria a cavidade torácica da paciente e iniciava a cauterização do tecido, outro cirurgião aspirava o sangue. Em vez de jogá-lo fora, esse médico o direcionava por uma mangueira até o cilindro de uma máquina de salvação de células.

Uma centrífuga retirava as células vermelhas pesadas, que eram lavadas com solução salina e posteriormente devolvidas a Tomczak por uma inserção na veia jugular. A religião dela não vê isso como uma transfusão, porque o sangue permanece em um circuito contínuo com o organismo.

O mesmo valia para um processo chamado hemodiluição. Os médicos removeram sangue de Tomczak e o substituíram por solução salina. Isso diluía a concentração de hemoglobina no sangue restante no organismo, atenuando o impacto de uma eventual hemorragia. O sangue era posteriormente devolvido ao corpo.

A recuperação de Tomczak teve complicações, mas não relacionadas aos níveis de hemoglobina. O pulmão novo funciona perfeitamente.

Tomczak diz que Jeová deve ter guiado a mão de Scheinin. O médico, que é judeu, afirma não se importar com essa ideia.

"Eu não trocaria minhas habilidades cirúrgicas por uma vida de piedade", disse ele. "Mas alguém pode negar que um poder superior tenha alguma influência sobre como tudo isso se desenrola?"


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