São Paulo, segunda-feira, 01 de março de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Imitadores da natureza se escondem a céu aberto

Mosca que parece abelha; besouro que lembra uma vespa

Por SEAN B. CARROLL
Em meados de 1859, um inglês chamado Henry Walter Bates voltou para casa, após 11 anos perambulando pela floresta amazônica, com amostras de mais de 14 mil espécies. Logo que ele se pôs a organizar e descrever sua vasta coleção, Charles Darwin publicou "A Origem das Espécies", o que deu a Bates uma forma inteiramente nova de pensar em tudo o que ele vira na selva.
Ele foi capaz de oferecer novas e oportunas evidências em prol da seleção natural, porque ela explicava um fenômeno que Bates havia observado de perto, que lhe havia intrigado e que continua a chamar a atenção de naturalistas hoje: a forte semelhança de alguns animais com objetos vivos ou inanimados.
Bates explicou a Darwin que ele havia encontrado muitos casos nos quais um animal completamente inofensivo e potencialmente comestível se parecia com uma espécie desagradável, intragável, nociva ou venenosa. Ele observou moscas que se pareciam com abelhas, besouros que lembravam vespas e até lagartas com aspecto de cobras. Referia-se a isso como "semelhanças análogas" ou "analogias miméticas".
Bates deduziu que os mímicos indefesos tiravam vantagem da sua semelhança com espécies com boas defesas.
Concluiu que os muitos casos que havia observado não eram meras coincidências, já que as formas imitadoras só ocorriam na mesma área geográfica das espécies imitadas. Ele apresentou o fenômeno, ainda hoje conhecido como mimetismo batesiano, como sendo "uma belíssima prova da teoria da seleção natural".
Há boas comprovações experimentais do mimetismo batesiano e das suas vantagens para animais inócuos.
Mas, até recentemente, havia poucos testes sobre como realmente funciona a prática de imitar coisas como detritos de aves, espinhos, gravetos ou pedras. O desafio é distinguir se trata-se de um caso de ocultação, em que o predador não detecta o animal, ou de um disfarce, no qual o predador prefere ignorar o imitador, por identificá-lo erroneamente como algo intragável.
Recentemente, os biólogos John Skelhorn e Graeme Ruxton, da Universidade de Glasgow, e seus colaboradores Hannah Rowland e Michael Speed, da Universidade de Liverpool, conceberam tal teste usando como presas lagartas de duas espécies de mariposas que parecem gravetos.
Para que o disfarce funcione, o predador tem de ter tido alguma experiência com os objetos imitados. Por isso, os cientistas dividiram galinhas jovens em diferentes grupos -um grupo foi exposto a um ramo de espinheiro, habitat comum das lagartas; outro foi exposto a um ramo de espinheiro enrolado em um fio colorido, para alterar seu aspecto; e um terceiro grupo foi exposto apenas a uma gaiola vazia.
Esses grupos eram então subdivididos em três -uma parte em gaiolas com uma lagarta da espécie de mariposas Opisthograptis luteolata; outra com uma lagarta da espécie Selenia dentaria; e o terceiro subgrupo simplesmente com um graveto de espinheiro na gaiola. Os pesquisadores mediram o tempo que as aves com diferentes experiências prévias levavam para atacar as lagartas ou para beliscar o graveto.
Mesmo quando as lagartas eram os únicos objetos visíveis, as aves expostas a gravetos naturais de espinheiro levavam bem mais tempo para atacar as lagartas ou o graveto, em média vários minutos, em comparação com poucos segundo para as aves que não haviam encontrado o graveto espinhoso nem sido expostas ao graveto enrolado no fio colorido.
A experiência demonstrou que as aves que haviam encontrado o graveto de espinheiro subsequentemente identificam erroneamente as lagartas disfarçadas como sendo gravetos, mesmo quando estas estavam muito perto e eram totalmente visíveis.
O disfarce parece ser uma estratégia de defesa disseminada. Skelhorn notou que só no Reino Unido há ao menos 50 espécies de mariposas e borboletas que em algum estágio da sua vida lembram objetos inanimados. As criaturas florestais que encantaram Bates usam o que hoje são reconhecidas como quatro estratégias distintas para não serem comidas -mimetismo, ocultação (ou criptismo), exibição de cores de alerta e disfarce como objetos não comestíveis.
Quando o estudo de Bates foi publicado, Darwin lhe disse que se tratava de "um documento notável e admirável" que teria "valor duradouro". Um elogio premonitório de quem talvez seja o naturalista mais lido daquele ou de qualquer outro século.


Texto Anterior: Benefícios da vitamina D intrigam estudiosos
Próximo Texto: Cupido on-line ganha componente químico

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.