São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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Irã está ajudando milícias

Documentos sugerem Teerã na turbulência iraquiana

Por MICHAEL R. GORDON e ANDREW W. LEHREN
Em 22 de dezembro de 2006, militares americanos em Bagdá emitiram um alerta secreto: o comandante da milícia xiita que havia orquestrado o sequestro de funcionários do Ministério da Educação Superior do Iraque estava agora tramando a captura de soldados dos EUA como reféns.
O relatório de inteligência dizia que Azhar al Dulaimi "teria obtido seu treinamento de agentes do Hizbollah perto de Qum, Irã, que estavam sob supervisão de oficiais da Força Quds do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica Iraniana (FQ-CGRI) em julho de 2006".
Cinco meses depois, Al Dulaimi foi localizado e morto pelos americanos no bairro xiita de Sadr City, em Bagdá -mas só depois de quatro soldados dos EUA serem sequestrados em Karbala e executados numa operação que, segundo os militares, tinha literalmente as impressões digitais de Dulaimi.
Vários documentos recém-divulgados pelo WikiLeaks oferecem um olhar ao rés do chão a respeito da guerra às sombras entre os EUA e as milícias iraquianas apoiadas pela Guarda Revolucionária iraniana.
Citando depoimentos de detentos, o diário capturado de um militante e numerosos arsenais descobertos, entre outras informações, os relatórios de campo reconstituem o papel do Irã em munir os milicianos com foguetes, bombas magnéticas que podem ser presas aos assoalhos de carro e "penetradores formados explosivamente", ou PFEs, entre outras armas. Estas incluem o Misagh-1, um míssil portátil iraniano terra-ar, que abateu um helicóptero americano em Bagdá em julho de 2007.
Iraquianos foram ao Irã para receber treinamento como franco-atiradores e sabotadores, dizem os relatórios, e a Força Quds colaborou com extremistas iraquianos para encorajar o assassinato de autoridades do Iraque.
Os documentos deixam claro que milícias apoiadas pelo Irã continuaram ativas mesmo depois que o presidente Obama buscou abrir um diálogo diplomático com líderes de Teerã.
"Acho que os iranianos entendem que não vão dominar o Iraque", disse Ryan Crocker, ex-embaixador dos EUA em Bagdá. "Mas acho que vão fazer de tudo para enfraquecê-lo -para ter um governo central fraco, constantemente desequilibrado, que tenha de ficar suplicando ao Irã para parar de fazer coisas ruins, sem ter a capacidade de compeli-los a parar de fazer coisas ruins. E esse é um Iraque que nunca mais vai ameaçar o Irã."
Um relatório de 27 de novembro de 2005 -antes da eleição parlamentar iraquiana em dezembro- alertava que membros do governo local ligados a milícias pró-Irã estavam permitindo que Teerã influenciasse a política iraquiana.
Os documentos também relatam diversos incidentes fronteiriços, como um episódio em 7 de setembro de 2006, em que um soldado iraniano foi morto pelos americanos quando mirava um lançador de granadas contra um pelotão dos EUA. O pelotão voltou à sua base sob fogo dos iranianos, embora os soldados americanos estivessem "bem dentro do território iraquiano", segundo o texto.
Os relatórios revelam também uma grande preocupação com assassinatos de autoridades iraquianas a mando do Irã.
Em 27 de março de 2007, um relatório dizia que agentes iranianos de inteligência dentro do Corpo Badr e da Jaish al Mahdi, duas milícias xiitas, teriam "recentemente influenciado ataques contra autoridades ministeriais no Iraque". Funcionários do Ministério da Indústria apareciam como alvos destacados.
"O efeito desejado desses ataques não é simplesmente matar os funcionários do Ministério da Indústria", mas "mostrar ao mundo, e, especialmente, ao mundo árabe, que o Plano de Segurança de Bagdá não trouxe estabilidade", dizia o relatório, referindo-se à ampliação de contingente americano ocorrida na época, sob supervisão do general David Petraeus.
O fornecimento de foguetes, morteiros e bombas do Irã a militantes xiitas era outra preocupação. Um relatório de 22 de novembro de 2005 narrava a apreensão, pela polícia de fronteira do Iraque, de "uma quantidade de equipamentos para a produção de bombas, como projéteis formados explosivamente", capazes de estourar a porta de um blindado Humvee.
Um militante xiita da Jaish al Mahdi (ou Exército Mahdi) estaria planejando um ataque à Zona Verde, em Bagdá, usando foguetes e morteiros enviados pela Força Quds, segundo relatório de 1° de dezembro de 2006.
Em 25 de junho de 2009, um relato sobre um ataque particularmente sangrento com PFEs, que feriu dez soldados dos EUA, notava que os militantes usavam táticas que "estão sendo empregadas por extremistas violentos e treinados que voltaram do Irã".
A análise de um ataque à Zona Verde no último dia de 2009 concluiu que ele havia sido realizado pelo grupo militante xiita Kataib Hizbollah, o qual, há muito tempo, a inteligência americana já suspeitava ser apoiado pelo Irã.
Segundo o relatório, um técnico do Kataib Hizbollah se reuniu antes do ataque com um "facilitador de armas" que "supostamente teria viajado ao Irã, possivelmente para facilitar os ataques de 31 de dezembro". No mesmo mês, as Forças de Operações Especiais americanas e uma unidade especial da polícia iraquiana realizaram uma operação que capturou perto de Basra um militante iraquiano que havia sido treinado no Irã.
Em 19 de dezembro de 2009, um relatório informava que o detento estava envolvido no contrabando de "bombas pegajosas" -explosivos presos magneticamente ao fundo de veículos- para o Iraque, e era "suspeito de coletar informações junto às FC [forças da coalizão] e de passá-las a agentes iranianos de inteligência".


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