São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2010

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Vidas buscam estabilidade em terapias

Por ETHAN BRONNER
KHAN YUNIS, Gaza - Motoristas de ambulância com expressões fechadas nesta cidade no centro de Gaza desenham com lápis de cor imagens de seus medos. Na aldeia de El Atatra, no noroeste, em um salão abafado e sem eletricidade, crianças de dez anos fecham os olhos e imaginam um lugar tranquilo. Na Cidade de Gaza, mulheres que perderam filhos para a violência política dançam para aliviar a tensão.
A Faixa de Gaza, o litoral da Palestina cheio de refugiados e de sofrimento, geralmente não é considerada um centro de sensibilidades da Nova Era. Mas, com a intervenção de um psiquiatra americano de formação clássica e pesquisador de alternativas, cerca de 10 mil pessoas estão aprendendo técnicas para reduzir a raiva, aliviar tensões familiares e adquirir sensação de controle.
"Meu marido está doente, perdi uma grande amiga há alguns dias, e os israelenses bombardearam perto de nossa casa ontem à noite", disse em uma sessão Hadba Abu Daha, que mora perto da fronteira israelense, no cruzamento de Kissufim, centro-leste de Gaza.
A senhora Abu Daha e outras disseram que as técnicas, destinadas a pessoas sob estresse e ensinadas gratuitamente, foram úteis não apenas para elas, mas para seus filhos e maridos, aos quais elas transmitem o que aprendem.
A força por trás do treinamento é o doutor James S. Gordon, professor clínico na faculdade de medicina de Georgetown em Washington (DC), formado em Harvard e ex-presidente da Comissão para Políticas de Medicina Complementar e Alternativa da Casa Branca. Ele é um raro americano e judeu que visita Gaza regularmente desde 2002.
"Não temos o poder de mudar a tragédia em que eles estão mergulhados", diz o doutor Gordon, 68. "Mas podemos ajudá-los a adquirir uma sensação de controle, para que possam ver o mundo de modo diferente."
O programa, segundo ele relatou em um artigo revisto por pares no "Journal of Clinical Psychiatry" nos Estados Unidos, produziu reduções do estresse, da depressão e do desespero.
Misturando elementos de psicoterapia com técnicas de autoajuda, o sistema pode parecer um pouco artificial. Os participantes, divididos em grupos, se reúnem uma vez por semana durante dez semanas e são orientados em uma série de exercícios que envolvem fechar os olhos, relaxar o abdômen, conversar" com sua dor, imaginar um lugar seguro, desenhar e dançar.
Mas os formados no programa se entusiasmam, e, hoje, o Mente-Corpo está em toda parte em Gaza, com muitos instrutores, e listas de espera dos que desejam participar.
"O aconselhamento é novo na cultura árabe", comentou Shaher Yaghi, um instrutor do Mente-Corpo. "As pessoas não querem ser consideradas malucas, por isso evitam a terapia. Mas em um grupo há menos estigma. Uma mulher não pode sair sozinha facilmente em nossa cultura, mas aqui ela traz uma amiga."
Alguns conselheiros são psicólogos formados, mas a maioria não.
O doutor Gordon, que gastou US$ 3 milhões no programa de Gaza, angariados entre doadores particulares, treinou 200 líderes de grupo em sessões de uma semana inteira.
O treinamento é basicamente uma versão intensiva das sessões que os conselheiros darão mais tarde, juntamente com um pouco de respaldo teórico.
Para reduzir as preocupações locais sobre música e dança, que fazem parte da técnica, mas são rejeitadas pela forma mais estrita de islamismo que predomina aqui, os sexos são segregados, e a música deve ter uma qualidade islâmica ou folclórica.
O doutor Gordon agora está dialogando com as autoridades palestinas na Cisjordânia, dirigida pela Autoridade Palestina, dominada pela Fatah, para levar sua técnica para lá.
Ele também passou um período treinando israelenses que sofreram ataques de foguetes do Hamas. Durante algum tempo, há cerca de dois anos, houve cursos simultâneos em Israel e Gaza, a poucos quilômetros de distância.
Para alguns participantes, o otimismo surge rapidamente. Em El Atatra, um pequeno grupo de crianças de oito a dez anos estava em sua quarta aula de Mente-Corpo e lhes pediram para desenhar três imagens: elas mesmas, a sua maior preocupação e a situação depois que o problema fosse solucionado.
Hazem, 10, desenhou seu problema, igual a muitos outros: um tanque israelense com o canhão voltado para uma casa, algo que aconteceu na guerra 19 meses atrás. O desenho da sua solução, porém, era incomum.
Mostrava o soldado do tanque e o morador da casa saindo e se cumprimentando.


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