São Paulo, segunda-feira, 02 de março de 2009

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Análise

A ambiguidade russa no Afeganistão

Por CLIFFORD J. LEVY

MOSCOU - Os líderes russos recentemente marcaram o 20? aniversário da retirada soviética do Afeganistão, com juras de que não desejam o mesmo destino humilhante para a missão militar norte-americana naquele país.
Na prática, porém, a Rússia parece muitas vezes incapaz de se decidir sobre o que esperar da atual empreitada dos EUA: que tenha sucesso, que fracasse, ou que simplesmente se arraste longamente.
Esses impulsos contraditórios foram salientados neste mês quando a ex-república soviética do Quirguistão anunciou a decisão -aparentemente a pedido de Moscou- de fechar uma importante base militar americana que abastece as tropas no Afeganistão. Ao mesmo tempo, os russos disseram que cederiam seu território para o transporte de cargas não letais para a missão afegã da Otan (aliança militar ocidental).
A ambiguidade russa deriva em grande parte dos seus renovados esforços para afirmar uma zona de influência, exibindo seu poderio na ex-União Soviética e aprofundando as tensões com os EUA em diversas questões. Sua preocupação com a suposta intrusão ocidental motivou sua guerra de agosto de 2008 contra a vizinha Geórgia, que deseja aderir à Otan; agora, se faz sentir no Afeganistão.
O Kremlin do premiê Vladimir Putin deixa claro que, já que os EUA manobram na vizinhança russa, Moscou deve exercer alguma medida de controle -mesmo que isso signifique atrapalhar a missão no Afeganistão.
"A Rússia quer ser o único senhor do domínio centro-asiático", disse Andrei Serenko, cofundador do Centro para o Estudo do Afeganistão Contemporâneo, uma entidade russa. "A Rússia está interessada em dificultar as coisas ao máximo para os EUA -ao tornar a transferência das forças norte-americanas para o Afeganistão dependente da vontade do Kremlin."
Para além da preocupação com os soldados americanos nos arredores, o Kremlin também parece relutar em oferecer ajuda significativa antes de conhecer a posição do governo de Barack Obama em relação à Rússia.
As relações bilaterais azedaram depois que o ex-presidente George W. Bush convidou Ucrânia e Geórgia para a Otan e propôs um escudo antimísseis na Europa Oriental. Obama ainda não confirmou se manterá tais políticas.
"Este é um momento muito delicado para a Rússia, que está tentando entender os planos do governo Obama", disse Vladimir Sotnikov, do Instituto de Estudos Orientais, em Moscou. "Na elite política russa, há uma luta entre pragmáticos e conservadores. Pragmáticos defendem um novo capítulo nas relações russo-americanas, mas conservadores pensam em termos mais antigos."
A posição russa a respeito do Afeganistão deve ser significativa conforme Obama executa seus planos para enfrentar o Taleban e localizar líderes da Al Qaeda na desgovernada fronteira com o Paquistão.
Embora defendam uma nova era de relações com a Rússia, funcionários do governo dos EUA também começam a manifestar irritação por causa do Afeganistão.
"Os russos estão tentando ter as duas coisas a respeito do Afeganistão, em termos [da base militar quirguiz de] Manas", disse recentemente o secretário americano de Defesa, Robert Gates. "Por um lado estão fazendo ruídos positivos a respeito de trabalhar conosco no Afeganistão e por outro estão trabalhando contra nós em termos daquela base aérea, que é claramente importante para nós. Então como avançamos à luz disso?"
Mas o parlamentar Igor Barinov, membro do partido de Putin e dono de voz ativa em questões de defesa, disse que, ao menos por enquanto, a liderança russa tem dificuldades em deixar de lado os velhos ressentimentos.
"Muitas dessas coisas são consequência da atitude que a Otan assume e assumiu nos últimos anos a respeito de questões mutuamente importantes que tocam nos interesses da Rússia -a começar pelos Bálcãs e a Iugoslávia, Kosovo, o avanço da Otan para leste, para Ucrânia e Geórgia, [para] os Estados bálticos", disse Barinov.
"Se tivesse sido dada mais atenção à opinião da Rússia, a situação seria hoje muito melhor."


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