São Paulo, segunda-feira, 02 de novembro de 2009

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ENSAIO

JOHN MARKOFF

Repensando o que vem antes: ciência ou tecnologia?

Considere qual seria a situação da ciência sem o microscópio, o telescópio ou um avanço técnico mais recente, como o sequenciamento automático do DNA.
Ainda haveria ciência, enraizada na percepção e na razão humanas. Mas seria muito menos poderosa que a ciência moderna, que expandiu tecnologicamente os sentidos e -com os computadores- o intelecto, para explorar e decifrar a realidade, do próprio universo à mais fugaz partícula subatômica.
A opinião popular é de que a tecnologia é menos pura e mais comercial que a ciência. Mas, em "The Nature of Technology: What It Is and How It Evolves" (A natureza da tecnologia: o que é como evolui), o economista W. Brian Arthur reenfoca a relação entre ciência e tecnologia em um esforço para chegar a uma teoria abrangente da inovação.
Na opinião de Arthur, o relacionamento é mais simbiótico do que geralmente se admite. A ciência e a tecnologia avançam juntas em uma espécie de coevolução. E a ciência não vai na frente.
"O que eu comecei a perceber, conforme me aprofundei neste projeto, é que tudo emerge da tecnologia", disse Arthur em uma entrevista recente. "É a tecnologia que dá origem à ciência moderna e à economia, e tendemos a pensar o inverso -que a ciência dá origem à tecnologia e a economia dá origem à tecnologia. Mas a tecnologia é mais fundamental que ambas."
É fácil ver como alguém que se tornou um dos principais pensadores do vale do Silício adotaria essa opinião, mas o argumento de Arthur não é um manifesto unilateral. Ele se afasta tanto da abordagem darwinista quanto de outras mais mecanicistas sobre como as tecnologias mudam e tenta construir uma estrutura teórica ao redor do que descreve como um modelo "combinatório" da evolução tecnológica.
As tecnologias evoluem, ele diz, com base na recombinação constante e caótica de tecnologias existentes. Nessa visão, todos os avanços tecnológicos surgem como novas combinações de componentes tecnológicos preexistentes, os quais passaram a existir por meio do mesmo processo. E, ele afirma, o progresso tecnológico e o científico são conduzidos por humanos em busca de meios para um fim que eles já definiram.
É uma visão profundamente social da inovação. Na opinião de Arthur, o "inventor solitário" é na verdade uma invenção. O gênio aparentemente independente é sempre alguém que tem um profundo conhecimento das tecnologias existentes e a inspiração para combiná-las de maneiras novas.
O mercado exerce o papel de árbitro no surgimento de novas tecnologias, ele afirma. Um exemplo dessa mudança marcante foi o avanço para os motores a jato na aviação comercial.
Arthur, que estudou engenharia, matemática e economia, é mais conhecido pela primeira pesquisa sobre o impacto dos retornos crescentes nas economias. Ele também estudou a fertilidade humana no Terceiro Mundo e, recentemente, interessou-se pelo esforço de chegar a uma definição geral de tecnologia.
"A tecnologia é um pouco como a música", ele disse. "Há uma quantidade enorme de conhecimento sobre tecnologias individuais, e na música conhecemos as partituras de todo compositor que deixou registros. Conhecemos cada nota de cada composição, mas, se você perguntar o que é a música, terá uma conversa profundamente filosófica."
O que Arthur descobriu é uma teoria que tenta se equiparar a "Sobre a Origem das Espécies", de Darwin, mas não repeti-la. Ao explicar o surgimento de novas tecnologias radicais, ele indica corretamente que o motor a jato não surgiu do constante acréscimo de pequenos avanços nos motores a pistão, nem o computador moderno surgiu como a próxima calculadora mecânica.
Em seu capítulo final -"Onde estamos com essa nossa criação?"-, ele nota que escritores tão diversos quanto o filósofo Martin Heidegger e o sociólogo Jacques Ellul sugeriram que a tecnologia tornou-se uma espécie de Frankenstein com vontade própria.
A opinião de Arthur é que a tecnologia é algo que nos define como humanos e que, afinal, seremos capazes de controlar um conjunto de tecnologias que, em vez de nos conquistar, vão ampliar nossa humanidade.


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