São Paulo, segunda-feira, 03 de agosto de 2009

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Luta por influência em encruzilhada de impérios

CLIFFORD J. LEVY
ENSAIO

BISHKEK, Quirguistão - Os primeiros clientes de alto nível a chegar em julho a Bishkek foram dois confidentes de Vladimir Putin. Vocês teriam um terreno para estacionar tropas russas? Um lugar com uma boa pista de pouso?
Pouco depois, foi a vez de um diplomata americano sênior dar uma passada. Podemos acertar os detalhes finais do acordo para mantermos nossa própria base militar aqui?
O Quirguistão é um país montanhoso na Ásia Central que há muito tempo disputa o título de mais obscura das antigas repúblicas soviéticas. De uma hora para outra, virou território altamente valorizado.
Sua inesperada emergência no palco internacional revela muito sobre como a guerra no vizinho Afeganistão, a luta por influência política na antiga União Soviética e a competição pelo controle das abundantes reservas de petróleo e gás natural da Ásia Central estão remodelando as prioridades dos titãs militares e econômicos do mundo.
O Quirguistão é o único país do mundo a abrigar bases militares separadas para EUA e Rússia, e as duas grandes potências estão determinadas a manter ou aprofundar sua presença ali. Esse fato explica, em parte, porque nenhuma delas até agora condenou a atuação repressiva do presidente quirguiz, Kurmanbek Bakiyev, que em meados de julho conquistou mais um mandato, em uma eleição que seus adversários alegam ter sido fraudada.
Os EUA acham que precisam contar com uma base militar de bom tamanho na Ásia Central para dar apoio à missão no Afeganistão, especialmente agora, quando as rotas de abastecimento que passam pelo Paquistão são perigosas. A instalação americana nos arredores da capital quirguiz está lotada de aviões que chegam facilmente aos céus do Afeganistão para reabastecer aviões de combate em pleno ar.
Esses aviões têm suscitado profundos receios no Kremlin, que tentou convencer o presidente Bakiyev a expulsar os americanos do Quirguistão -no final, sem êxito. A Ásia Central é atual quintal de Moscou, e o Kremlin manifesta sentimento de dono, além do desejo de dominar seus recursos naturais.
Ao mesmo tempo, os russos parecem divididos em relação à empreitada americana no Afeganistão. Eles compreendem que o fracasso dela pode ameaçar a própria Rússia, que já vem enfrentando extremismo islâmico em seu sul, e, por isso, autorizaram o fluxo de bens militares americanos. O Kremlin também consegue solidarizar-se com Washington, em vista das memórias dolorosas do envolvimento soviético no Afeganistão. Mesmo assim, o Kremlin teme que os EUA estejam deitando raízes permanentes na Ásia central.
O papel da Rússia nas antigas repúblicas soviéticas vem sendo fonte constante de atritos entre os dois lados. Recentemente, o vice-presidente americano, Joe Biden, visitou a Ucrânia e a Geórgia e criticou a Rússia por "sua noção de esferas de influência, típica do século 19".
O outro grande ator na Ásia Central é a China, que também vê com preocupação a disseminação do fundamentalismo muçulmano. As preocupações chinesas ganharam destaque com o recente levante de uigures, grupo étnico muçulmano, no oeste da China. Além disso, empresas chinesas estão investindo bilhões de dólares na Ásia Central.
Os chineses não têm uma base no Quirguistão, mas sobram rumores de que gostariam de tê-la. França, Alemanha e Índia possuem pequenas instalações na Ásia Central.
"Essas potências têm interesse vital por essa região", disse Andrei V. Fedorov, analista do Conselho de Política Externa e de Defesa, em Moscou. "Não se trata de algo apenas econômico. É também questão de estabilidade. Se alguma coisa der errado na Ásia Central, atingirá todos em volta -Paquistão, Afeganistão, China- e terá repercussões ainda maiores."


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