São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Como eles vêem os EUA e o mundo

Por DAVID E. SANGER

Washington
John McCain já disse que sua visão de mundo foi formada na prisão norte-vietnamita onde ele aprendeu a se opor aos inimigos do seu país e perdeu qualquer ingenuidade juvenil sobre o que acontece quando os EUA demonstram fraqueza.
Barack Obama já escreveu que suas opiniões começaram a ganhar forma em Jacarta, onde viveu na infância, vendo a pobreza, os abusos e o medo provocados pelo ditador indonésio Suharto, que tinha apoio dos EUA.
Foi lá, escreveu, que pela primeira vez entendeu como os estrangeiros reagem "à incansável promoção do capitalismo de estilo americano" e "à tolerância e ao eventual encorajamento [de Washington] à tirania, à corrupção e à degradação ambiental".
Conforme contadas por ambas as campanhas, essas duas experiências radicalmente diferentes no Sudeste Asiático geraram dois homens com opiniões agudamente diferentes sobre o uso adequado do poder dos EUA. A campanha de McCain o exibe como um guerreiro experimentado. A campanha de Obama o apresenta como um cerebral defensor da diplomacia paciente.
Mas, nos últimos meses, ambos os candidatos enveredaram por desvios surpreendentes. Eles podem ter formado sua visão de mundo em Hanói e Jacarta, mas forjaram posições específicas na realidade da batalha eleitoral dos EUA pós-Iraque. O resultado inclui contradições que não se encaixam nas imagens do "falcão" e da "pomba", promovidas pelas respectivas campanhas.

Envolvimento com o Irã
O eventual confronto com o Irã por causa do seu programa nuclear aparece como principal estudo de caso a respeito de como os candidatos poderiam usar a diplomacia e a ameaça da força militar contra um país hostil. Ambos declaram que nunca permitiriam um Irã com armas nucleares, mas não explicam exatamente como conseguiriam isso de forma pacífica. Com base nas carreiras e declarações de ambos, o limite de McCain para iniciar uma ação militar preventiva parece inferior ao de Obama.
Ao declarar que se reuniria sem precondições com os líderes iranianos, Obama se expôs a ser acusado de ingênuo por McCain. Mas Obama diz que jamais sugeriu que os primeiros encontros já seriam em nível presidencial. Pressionado, afirmou: "Nunca vamos retirar as opções militares da mesa".
A questão mais complicada é como obrigar o Irã a abandonar o seu programa de enriquecimento de urânio antes de produzir material suficiente para uma arma nuclear. McCain enfatiza que os EUA têm "de fazer o que for necessário" para impedir o Irã de obter a bomba. Em 1994, quando a Coréia do Norte estava num estágio similar do seu programa nuclear, ele disse que, se a diplomacia não conseguisse fechar suas instalações atômicas em questão de meses, "bombardeios aéreos seriam requeridos".
Num mundo pós-Iraque, ele anda mais circunspecto. Não fala mais em "liquidação de Estados-párias", a frase que usou em 2000 para descrever uma estratégia de solapar governos como os da Coréia do Norte, do Irã e do Iraque de Saddam Hussein. Recentemente, ele manifesta mais interesse em alterar o comportamento do Irã do que o seu governo. Mas a principal receita que oferece consiste na escalada gradual das sanções econômicas, mesmo caminho trilhado pelo governo de George W. Bush. Até agora, essa estratégia fracassou.

Intervenção no Paquistão
McCain costuma lembrar que prometeu fazer de tudo para vencer no Iraque. Mas, quando se trata da guerra do Afeganistão, ele é extremamente relutante em defender ataques no outro lado da fronteira com o Paquistão, embora comandantes militares norte-americanos tenham dito que isso é um pré-requisito para a vitória.
Obama se mostra bem mais disposto a enviar tropas terrestres norte-americanas, algo que McCain considera pouco sensato. Diz que Obama não leva em conta a forma como os paquistaneses reagiriam a tal incursão de um aliado, mesmo em um território ingovernável, que o Paquistão nunca controlou de fato.
Essa foi a opinião de Bush até julho, quando ele secretamente autorizou as forças de Operações Especiais a realizarem incursões terrestres no Paquistão atrás de refúgios dos insurgentes. McCain não condenou a ação de Bush, mas sugeriu que tais operações jamais deveriam ser discutidas publicamente, e que Obama revelou sua inexperiência ao aventar tal possibilidade.
Obama declarou que enviaria militares dos EUA para matar líderes da Al Qaeda do outro lado da fronteira.
Mas a política americana desde os ataques do 11 de Setembro já é a de caçar membros da Al Qaeda em qualquer lugar, inclusive dentro do Paquistão. Mais complicado é entrar no Paquistão para caçar o Taleban ou outros grupos militantes que estejam usando o refúgio para preparar ataques contra americanos no Afeganistão ou para atacar o governo paquistanês. Nesse ponto, Obama é ambíguo.
McCain há muito tempo é cético quanto ao envio de tropas americanas para missões humanitárias. Obama elogia aquilo que a ONU chama de "responsabilidade de proteger", uma doutrina que eleva o auxílio a populações oprimidas acima do respeito por fronteiras nacionais.
O trato com as grandes potências
Após o conflito Rússia-Geórgia, em agosto, McCain defendeu Tbilisi com veemência, enquanto Obama divulgou uma declaração mais equilibrada, propondo uma volta ao incômodo status quo prévio na Ossétia do Sul.
Embora essa reação tenha sido mais próxima à do governo Bush, McCain a aproveitou para apontar Obama como fraco. Seus amigos dizem que a crítica de McCain à Rússia foi reflexo direto da sua experiência de prisioneiro de guerra e da sua formação sob a Guerra Fria.
As diferenças entre os candidatos também influíram nas suas respostas a uma proposta de quatro ícones da Guerra Fria _o ex-senador Sam Nunn, o ex-secretário da Defesa William Perry, e os ex-secretários de Estado George Schultz e Henry Kissinger_ de reduzir gradualmente o arsenal nuclear dos EUA a zero. Ambos os candidatos disseram apoiar o objetivo, mas McCain pareceu menos entusiasmado, dizendo que reduziria as armas nucleares "ao menor nível que julguemos necessário".
Obama, por outro lado, argumentou que EUA e Rússia precisam reduzir radicalmente seus arsenais para convencer nações menores, como Irã e Coréia do Norte, a abandonar seus programas nucleares.
McCain enfatiza a primazia da força militar para manter os EUA como a nação mais poderosa do mundo, embora seus assessores também digam que, a respeito do aquecimento global e outras questões, ele demonstra uma flexibilidade rara no presidente Bush. Mais do que qualquer outro candidato, Obama enfatiza o chamado "soft power" ("poder brando") _a capacidade de liderar pelo exemplo moral e pela ação não militar. Seus assessores admitem que seu desafio, se eleito, será convencer o mundo de que esse jovem senador ainda não testado também tem um lado de aço.

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