São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

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Como a insanidade dos mercados atrai as massas

Em retrospecto, pânicos financeiros de outras eras parecem previsíveis

JOE NOCERA
ENSAIO

Às vezes acho que devemos estar vivendo numa versão às avessas de "De Volta Para o Futuro". Não é possível que, no sofisticado século 21, estejamos experimentando o mesmo tipo de pânico financeiro que atormentou a humanidade ao menos desde a mania pela tulipa holandesa dos anos 1630. Ou é?
Olhamos para essas antigas crises _tulipas holandesas e a bolha da South Sea [empresa que financiava a dívida britânica no início do século 18], os pânicos de 1825 e 1907, o "crash" de 1929 _e, em retrospecto, todas parecem previsíveis. Elas foram precedidas por anos de excessos especulativos, por inovação financeira que saiu do controle e por bolhas gigantes que hoje parecem incrivelmente óbvias. O "crash" era inevitável. Tudo era tão insustentável! Dizem que Isaac Newton perdeu as economias de uma vida durante a bolha da South Sea. O que nos leva a pensar: "Um cara inteligente como Newton não deveria ter caído nessa".
No entanto, aqui estamos. Todos os instrumentos financeiros no qual os investidores confiavam estão sob severa pressão. Um dia, quando os livros de história forem escritos, a inevitabilidade deste "crash" parecerá tão óbvia às gerações futuras quanto a quebra da South Sea é para nós. Então por que não o evitamos? Por que nós temos esses constantes surtos de insanidade financeira?
"O que a humanidade já aprendeu sobre o romance?", diz James Grant, editor do Observatório de Taxa de Juros Grant e autor do livro a ser lançado "Mr. Market Miscalculates" (o sr. Mercado erra nos cálculos).
A ciência, diz Grant, é uma disciplina que se constrói de maneira cumulativa. O conhecimento prévio não é descartado, mas aproveitado. Mas as finanças não são assim. "As pessoas continuam cometendo os mesmos erros porque o dinheiro, como o romance, é só parcialmente uma experiência intelectual", diz Grant. "Dinheiro, como sexo, gera algum pensamento _mas também muita respiração pesada e pouco conhecimento. Nas finanças, o processo é cíclico. Algumas pessoas aprendem dos seus ancestrais, mas a maioria repete os mesmos erros."
Grant quer dizer que não é só a parte analítica do nosso cérebro que lida com dinheiro, mas também a parte instintiva. Na maioria das vezes, nossos instintos falham. E isso vale tanto para grandes quanto pequenos investidores.
Paul Slovic, da Universidade de Oregon, especialista em psicologia de risco, diz que, quando tudo vai bem, a percepção do risco decai. "Você não presta tanta atenção nos sinais de alerta." Robert Shriller, economista da Universidade Yale, diz: "Uma coisa que sabemos do comportamento humano é que nossa memória é influenciada por eventos recentes".
Assim, quando estamos passando por uma bolha imobiliária, é difícil não se deixar levar, emocionalmente, pela idéia de que os preços só podem subir _embora nosso cérebro analítico saiba que agir com base nesses impulsos desafia a lógica. Mas um tipo de euforia incontrolável toma o controle, e nós não podemos imaginar que ela vá um dia acabar. De maneira semelhante, quando as coisas vão mal, o medo captura nossa imaginação, e achamos igualmente impossível ver uma réstia de esperança. Tomamos ações para nos proteger, mesmo se essas ações individuais se acumularem em uma loucura coletiva.
Se a história nos ajuda a entender por que acontecem os momentos de pânico financeiro, não serve para impedi-los. Os impulsos que nos fazem abrir mão do devagar e sempre por riqueza instantânea, que nos fazem seguir a massa em vez de desafiá-la, que nos fazem pensar que desta vez é diferente, em vez de entender que nunca é _esses são aspectos tão básicos da natureza humana que não podem ser mudados só com estudo.

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