São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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ARTE & ESTILO

Rap começa a mudar de cara e de som

Por JON CARAMANICA
"TiK ToK", uma celebração enérgica e lasciva das noitadas e das manhãs seguintes de uma nova artista chamada Ke$ha, passou as recentes semanas subindo para o topo da tabela de singles Billboard Hot 100. Juntamente com "Rapture", o hit de 1981 de Blondie, é uma das canções de rap de cantora branca mais bem-sucedidas de todos os tempos.
Na verdade, isso depende de para quem você pergunta.
"TiK ToK" é cantada no coro e rapeada nos versos, reforçada por Auto-Tune em alguns lugares, combinando com sua produção eletro-pop. Há até alguns "ad-libs" do cantor Diddy e um verso que parece emprestado de Jermaine Dupri.
"Já fiz country, pop-rock, eletro super-hard", disse Ke$ha, 22. "Foi assim meio, tipo: tudo bem, bota um pouco de rap aqui, por que não?" "TiK ToK" é uma espécie de marco no pop contemporâneo: a assimilação completa e indolor da rapeira branca na música pop.
Isto é, se ela está de fato rapeando. "Nunca pensei nela como 'rapper'", disse Barry Weiss, presidente e principal executivo da RCA/Jive Label Group, que contratou Ke$ha. "Apenas vi isso como seu fraseado particular em certas canções."
Uma pop star florescente que é basicamente uma cantora, Ke$ha é de qualquer modo uma pioneira. "TiK ToK" e o punhado de outras canções influenciadas por rap em seu disco de estreia, "Animal" (Kemosabe/RCA), que será lançado amanhã, são o produto de um mundo em que o hip-hop é uma língua franca, tão inserido na corrente do pop que é possível fazer canções que são basicamente rapeadas, mas não amplamente consideradas canções de rap.
Tudo faz parte do constante desenraizamento do ato do rap, que costumava ser inscrito como um ato especificamente negro, mas que foi apropriado tão frequentemente e com tal facilidade que, em certos casos, foi re-enraizado. A própria existência da garota branca que rapeia casualmente reflete ideias cada vez menos rígidas sobre raça e gênero.
Isso já aconteceu antes. Da mesma maneira que, na virada da última década, o rap-metal ofereceu um espaço para os homens brancos rapearem sem ser explicitamente comparados com seus homólogos negros, o eletro-rap orientado para clubes tornou-se um refúgio para mulheres brancas.
Pelo menos para algumas. O ano de 2009 foi um ano-bandeira para o rap de garotas brancas. Houve o álbum de estreia da "rapper" de Filadélfia Amanda Blank, o incansável e sufocante "I Love You" (Downtown). Em "Boom Boom Pow", o sucesso bate-estaca dos Black Eyed Peas, a surpresa foi um interlúdio em rap da cantora do grupo, Fergie. Até a cantora country-pop Jessie James tentou isso em "Blue Jeans", uma canção que praticamente deve um cheque de direitos autorais a Dem Franchize Boyz por se apropriar da cadência e do conceito de sua canção "White Tee", de 2004.
A rapeira branca era uma das últimas fronteiras do hip-hop, mas Ke$ha está reenquadrando a conversa. "Seu rap falado, de garota loura -não tem ninguém fazendo isso hoje", disse o produtor e compositor Lukasz Gottwald, também conhecido como Dr. Luke, que contratou Ke$ha para seu selo e foi produtor executivo de "Animal".
"Os rapeiros brancos que tentam parecer negros são muito pouco interessantes e criativos", ele continuou. Citando exemplos de homens brancos que trilharam um caminho diferente -os Beastie Boys, Beck, os momentos rap de Weezer- Dr. Luke disse que havia espaço para Ke$ha experimentar a mesma coisa: "Como era o que ela queria fazer e gostava, sou a favor. Mas um disco inteiro disso poderia ser chato".
Poucas outras se deram ao trabalho de tentar. Com exceção de Debbie Harry, do Blondie, a mais notável rapeira branca foi Tairrie B, que foi contratada pela Ruthless Records, o selo dirigido por Eazy-E da N.W.A. Seu disco de estreia em 1990, "Power of a Woman", teve um breve sucesso, mas logo depois ela se entregou ao heavy metal, e sua atitude de falar duro formou um modelo com poucas seguidoras, entre as quais não se inclui Ke$ha. "Não sou durona", disse Ke$ha. "Estou tentando atingir a vibração do membro perdido do Whitesnake."
"Eu gosto dos Beastie Boys -provavelmente é por isso que 'TiK ToK' aconteceu", disse Ke$ha. "O rap em geral nunca foi meu babado, mas eu gosto."
Alguns compararam Ke$ha, desfavoravelmente, com Uffie, que está contratada pelo influente selo de música eletrônica francês Ed Banger e cujo sass-rap antecedeu o de Ke$ha por alguns anos. "Eu entendo por que as pessoas precisam fazer essa comparação", disse Ke$ha, "mas não é como se eu fosse escutar Uffie e copiar."
Se alguém deve se sentir fraudado por "TiK ToK", porém, é Lady Gaga, que provavelmente escuta pedaços significativos de seu sucesso "Just Dance" em sua melodia e seu tema principal. Mas Lady Gaga não faz rap (pelo menos ainda não), deixando Ke$ha firme como dupla ameaça, mesmo que seu canto ainda seja uma espécie de segredo.
"Eu sei cantar", disse Ke$ha, "e vocês ainda não sabem disso".


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