São Paulo, segunda-feira, 04 de janeiro de 2010

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Descoberta aos 89, na crista da onda aos 94

Por DEBORAH SONTAG
Sob uma claraboia em seu loft com telhado metálico perto da Union Square, em Manhattan, a pintora abstracionista Carmen Herrera, 94, amparava recentemente uma taça de champanhe, sentada como uma rainha em sua cadeira de rodas.
Após seis décadas de uma pintura muito reservada, Herrera vendeu sua primeira obra há cinco anos, aos 89. Agora, numa pequena cerimônia em sua homenagem, ela se regozijava ao perceber que sua carreira finalmente, e inegavelmente, decolou. Sob flashes, ela estendeu seus longos dedos giacomettianos para aceitar um prêmio pelo conjunto da obra das mãos do diretor do Centro Walker das Artes, de Minneapolis (EUA).
Seu amigo Tony Bechara, também pintor, ergueu um copo. "Temos um ditado em Porto Rico: o ônibus -'la guagua'- sempre chega para quem espera", afirmou.
E a cubana Herrera, aos risos, respondeu: "Bom, Tony, estou no ponto há 94 anos!".
Desde aquela primeira venda, em 2004, os colecionadores disputam avidamente as obras de Herrera, e suas pinturas radiantemente ascéticas entraram para os acervos de instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, o Museu Hirshhorn e a Tate Modern. Em 2009, durante uma exposição retrospectiva no Reino Unido, o "The Observer" qualificou Herrera como a descoberta da década, perguntando: "Como podemos ter deixado passar essas belas composições?".
Em suma, a nonagenária Herrera, que mal sai de casa por causa da artrite, está na crista da onda. "Faço isso [pintar] porque preciso; é uma compulsão que também me dá prazer", disse ela. "Nunca na minha vida tive qualquer ideia de dinheiro e achava a fama uma coisa muito vulgar. Então, simplesmente trabalhei e esperei."
Pintando em relativa solidão desde o final da década de 1930, com exposições apenas ocasionais, Herrera foi mantida, segundo ela, pelo sólido apoio do professor de inglês Jesse Loewenthal, seu marido durante 61 anos.
O reconhecimento de Herrera veio poucos anos depois da morte dele, em 2000, aos 98 anos. "Todo mundo diz que o Jesse deve ter orquestrado isso lá de cima", disse Herrera, balançando a cabeça. "Tá, tudo bem, Jesse em cima de uma nuvem." Ela acrescentou: "Trabalhei realmente duro. Talvez tenha sido eu."
Nascida em 1915 em Havana, onde seu pai era editor-fundador do diário "El Mundo" e sua mãe era repórter, Herrera teve aulas de artes na infância, frequentou uma escola para moças de elite em Paris e cursou arquitetura em Cuba. Em 1939, no meio dos seus estudos, casou com Loewenthal e se mudou para Nova York. (O casal não teve filhos.)
Embora tenha estudado na Liga dos Estudantes de Artes de Nova York, Herrera não descobriu sua identidade artística até que ela e o marido se radicassem em Paris durante alguns anos, depois da Segunda Guerra Mundial. Ali ela aderiu a um grupo de artistas abstracionistas, no influente Salão das Realidades Novas, que exibiu sua obra junto com a de Josef Albers, Jean Arp, Sonia Delaunay e outros.
"Eu estava procurando um vocabulário pictórico e o encontrei ali", disse ela. "Mas, quando voltamos para Nova York, esse tipo de arte" -seu formalismo 'menos é mais'- "não era aceitável", acrescentou. "O expressionismo abstrato estava na moda. Eu não conseguia uma galeria."
Herrera disse ter aceitado também as barreiras que enfrentou por ser mulher e hispânica. Ao longo das décadas, ela fez apenas exposições individuais pontuais, inclusive duas em museus. Mas nunca vendeu nada, nunca precisou da afirmação do mercado e nunca a buscou. "Teria sido bom, mas talvez me corrompesse", disse ela.
Suas obras maiores agora são vendidas por US$ 30 mil, e uma pintura chegou a US$ 44 mil -somas inimagináveis quando ela era, digamos, octogenária. "Tenho mais dinheiro agora do que jamais tive na vida", contou.
Não que ela esteja sucumbindo a uma vida de lazer. Numa longa mesa de onde espia a rua 19 East, Herrera continua desenhando e pintando. "Só o meu amor pela linha reta me mantém na ativa."


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