São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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Um jornal antigo na era da web

Por SUZANNE DALEY
PARIS - Claude Angeli tinha seu caderninho preto sobre a mesa -um caderninho preto real, encadernado em couro e com páginas amareladas. Nada de BlackBerry nem de iPhone. Nenhum computador à vista.
Angeli, 79, é o editor-executivo do "Le Canard Enchaîné", um jornal satírico semanal. Ele escreve os artigos à mão.
É verdade que o "Canard Enchaîné" tem uma página na internet, mas há pouco na página além de imagens de primeiras páginas antigas e a sugestão de que você compre o jornal na quarta-feira. O "Canard Enchaîné" é "de papel e tinta", ele afirma.
Não se trata de algum fim de mundo estranho do jornalismo. Claude Angeli e sua equipe de 16 profissionais são os jornalistas investigativos mais bem-sucedidos do país. Em uma tarde recente, Angeli tirou de seu caderno preto uma ficha pequena com a lista dos furos deste ano. Houve o caso do funcionário governamental que fez o Estado pagar por cerca de US$ 16.800 em charutos. Outro mentiu sobre as dimensões de sua casa para evitar ser alvo das leis de zoneamento da Provença.
E houve, é claro, o caso da ex-ministra do Exterior Michèle Alliot-Marie, forçada a renunciar ao cargo depois de o jornal ter revelado que ela passara férias na Tunísia, voando com pessoas associadas ao ex-ditador Zine el Abidine Ben Ali e oferecendo gás lacrimogêneo francês a ele ao mesmo tempo em que ocorriam protestos pró-democracia. "É isso o que fazemos", explicou Angeli. "Revelamos coisas que estavam ocultas."
Angeli trabalha para o "Canard Enchaîné" há 40 anos e é autor de algumas das maiores matérias do jornal, além de meia dúzia de livros. Ele não está interessado em mudar uma fórmula que vem dando certo. A aparência do jornal -oito páginas, muitas charges- é igual a quando ele assumiu a direção há 20 anos. "Se publicássemos matérias na internet, quem compraria o jornal na quarta-feira?", disse Angeli.
"Acreditamos no jornalismo em papel."
Enquanto os grandes jornais diários franceses enfrentam dificuldades cada vez maiores, a circulação do "Canard Enchaîné" subiu 32% desde que Nicolas Sarkozy chegou à Presidência, em 2008. O jornal é um misto de artigos investigativos, artigos de opinião satíricos e colunas fictícias de políticos, e não tem anúncios.
A que se deve o aumento no número de leitores? Angeli dá de ombros. "Não sei." Mas ele acredita que os funcionários públicos tenham opinião tão negativa de Sarkozy que estão ocorrendo mais vazamentos do que o normal.
E há a mulher de Sarkozy, Carla Bruni-Sarkozy, ex-modelo e cantora. O jornal publica diário fictício semanal intitulado "Le Journal de Carla B". Nele, "Carla B" se refere a Sarkozy como Chouchou, tratamento carinhoso equivalente a "fofinho".
Angeli está ansioso por mostrar o lugar na sala do andar de cima onde policiais secretos, disfarçados de operários, tentaram ocultar microfones em 1973, depois de Angeli ter mostrado que o primeiro-ministro mal pagara impostos. Os "operários" foram flagrados por um repórter. Foi o Watergate próprio do "Canard Enchaîné", conhecido na França como "o caso dos encanadores".
O buraco na parede continua ali. No alto, há uma placa que lembra uma lápide tumular.


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