São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2010

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INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN

Em novo mundo, uma potência relutante

Londres
Uma das características da incerta recuperação econômica global é que ela tem acentuado a desigualdade dentro das nações, embora reduzindo a disparidade entre elas.
Wall Street tem se saído melhor do que a classe média americana. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos veem as potências emergentes correndo à sua frente.
Nada disso é um bom prenúncio para os EUA, mas o país saberia melhor como contornar os problemas se mostrasse maior receptividade a um mundo mudado.
Veja a América Latina. Todas as economias sob a sigla Bric -Brasil, Rússia, Índia e China- usaram a crise para demonstrar sua recém-adquirida solidez e também a redução da sua dependência em relação à economia americana. Mas o Brasil tem se destacado. Sua taxa anualizada de crescimento de 11% em março de 2010 pode não ser sustentável, mas é um sinal do milagre Lula.
Talvez qualquer potência que tenha desfrutado um período de quase hegemonia e que se encontre em guerra irá, como um avestruz, se recusar a aceitar o surgimento de outro colosso no seu hemisfério. Mesmo assim, os EUA fariam bem em procurar inspiração política e econômica ao sul. E isso não tem ocorrido.
Um pequeno exemplo: numa recente reunião do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washington, o Brasil e outros países sul-americanos enviaram ministros. A China, de olho na riqueza mineral da América Latina, mandou o presidente do seu Banco Central. Tudo o que os EUA apresentaram foi um secretário-assistente.
"Para dizer a verdade, não estamos tão descontentes com a distração dos EUA", me disse recentemente um importante banqueiro sul-americano. "Estamos é olhando para a China e a Ásia, cujo interesse na região é enorme. Os EUA ainda têm a tendência a dizer: 'É isso que vocês deveriam fazer'. Hoje em dia ninguém ouve."
Na frente política, considerei que a desdenhosa rejeição americana ao acordo nuclear turco-brasileiro com o Irã foi outro erro. O acordo não era perfeito, mas tampouco era diferente daquilo que os EUA haviam proposto, embora os americanos tenham se queixado de que o Irã havia duplicado a quantidade de urânio já enriquecido e alterado os termos da proposta original.
Essa seria uma oportunidade histórica para os EUA dizerem que veem as mudanças no mundo e apreciam os esforços e o emergente senso de responsabilidade das potências em desenvolvimento. Ao invés disso, a mensagem curta e grossa do Grande Irmão foi: não pensem nem por um segundo que vocês conseguem lidar com grandes questões. E eis-nos aqui, presos a mais um ciclo estéril de sanções ao Irã.
Eu falei do "milagre Lula". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deixa o cargo em 1° de janeiro após oito anos extraordinários, tem demonstrado o toque popular que o presidente Barack Obama não foi capaz de comunicar. Lula está correto ao declarar que os Bric "têm um papel fundamental na criação de uma nova ordem internacional".
Os EUA e Obama fariam muito melhor se fomentassem esse processo e o moldassem, ao invés de se mostrarem cegos ou desinteressados. Isso envolveria uma reorientação fundamental da política externa dos EUA.
O contraste Lula-Obama é intrigante sob alguns aspectos. Ambos são "outsiders". Ambos romperam paradigmas. Ambos foram vistos como agentes da mudança. Então por que Lula se provou tão mais eficaz?
Ele teve sorte, é claro. O líder brasileiro pegou carona na valorização das commodities na última década. Mas talvez seja acima de tudo porque um toque popular precisa ter raízes na experiência.
Lula, um dos oito filhos de uma família do miserável Nordeste brasileiro, ex-metalúrgico que abandonou a escola cedo, lutou para dar cada passo à frente. Já Obama encarnava a esperança num país dividido, mas, afinal de contas, ele é um homem formado pelas escolas e instituições de elite, tanto quanto por sua experiência como afro-americano ou ativista comunitário. Ele não conseguiu encontrar o tom correto para uma nação em busca de um caminho para superar as dificuldades.
O veredicto está aí. O Brasil, por tanto tempo a mais dividida das sociedades, avançou rumo à redução da desigualdade, enquanto os EUA foram na direção contrária. O Brasil também reduziu a distância em relação às nações ricas, e pode chegar a 2025 como a quinta maior economia mundial.


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