São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2010

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Ligados em Wall Street

'Day traders', como Andy Lindloff, gostam da emoção de investir por conta própria

Sandy huffaker para o New York Times
Andy Lindloff

Por DAVID SEGAL
Encinitas, Califórnia Lembra-se dos "day traders"?
Era difícil ignorá-los durante a mania por ações de tecnologia ocorrida há uma década, quando a Nasdaq parecia um cassino construído por idiotas, e um chimpanzé com dardos seria capaz de escolher ações lucrativas. Você ouvia falar desses caras -quase todos eram caras- e se perguntava: dá para ganhar a vida assim? E, se a resposta era sim, por que nós, os tontos, continuávamos nos nossos empregos de sempre?
Talvez você tenha imaginado que as calamidades gêmeas do crash da internet e da Grande Recessão extinguiram a espécie dos "day traders" da ingovernável selva do capitalismo americano. Mas alguns sonhos se recusam a morrer, e poucos, aparentemente, são mais resistentes do que o de derrotar o mercado sentado em casa, de cueca.
Ou, se você for como Andy Lindloff, vestindo jeans e camisa preta.
"Os bancos estão tendo uma subidinha legal", disse ele numa recente manhã de quarta-feira, olhando telas de computador e tomando café. "Os bancos europeus estão em alta, então isso pode vazar para os nossos [dos EUA]. O Bank of America pode ser um a observar."
Lindloff, 49, está na sala da sua casa, em Encinitas, cidade conhecida como "o paraíso dos surfistas", ao norte de San Diego. Cercado pelos brinquedos da filha, ele parece sozinho. Na verdade, tem muita companhia. Usando um fone de ouvido com microfone, ele conversa com Steve Gomez, seu sócio na Today Trader, empresa surgida há dois anos na internet para "ajudar os operadores a encontrar sucesso por meio da tecnologia virtual", diz o site da companhia.
A empresa cobra US$ 199 por mês dos usuários para que eles vejam em tempo real o monitor de Lindloff, além das provocações, comentários e conselhos que ele e Gomez oferecem ao longo da manhã.
O serviço é apresentado como uma chance de olhar sobre o "ombro virtual" de dois veteranos operadores de Bolsas, mas na verdade não se vê o ombro de ninguém.
É mais como observar o painel de instrumentos de um jato ao espiar os pilotos, junto com um incessante ruído de teclados.
Quando o mercado abre, 21 assinantes estão conectados. A Today Trader e seus rivais são empresas pequenas, com audiências modestas. Mas eles estão se aproveitando de todos os recursos da internet atual para atrair gente: YouTube, Twitter e empresas como GotoMeeting, um serviço de conferência pela web.
E estão se aproveitando também da fúria com o mercado. O doloroso mergulho das ações no final de 2008 e começo de 2009 deixou muita gente escaldada. Até mesmo quem anos atrás preferiu a segurança de fundos atrelados a índices mercantis teve pouca recompensa. Veja o desempenho do índice Standard & Poor's 500, o mais popular que há. Se você investiu US$ 1.000 num fundo atrelado a ele em 1999, hoje tem um valor ligeiramente inferior na sua conta.
Nos primórdios do "day trade", o lema era "Se profissionais conseguem, nós conseguimos também". Hoje, o lema é: "Não pode ser que façamos muito pior que os profissionais".
"Há por aí a ideia de que os investidores do varejo são tolos", disse Howard Lindzon, cofundador da StockTwits, que faz a curadoria de dicas mercantis e alertas financeiros enviados pelo Twitter por 20 mil colaboradores regulares. "Bom, o fato é que os investidores institucionais são bastante tolos. Eles quase explodiram todo mundo com a alavancagem."
É claro que, para entrar na caravana do "day trade", é melhor apertar os cintos, como mostra a experiência de Lindloff naquela quarta-feira. Antes do almoço, ele compra e vende cerca de 44 mil ações em 17 transações. Começa mal, perdendo uns US$ 500. Mas uma aposta na hora certa, numa empresa chamada Rackspace Hosting ("Não sei o que eles fazem", afirma), além de rápidos investimentos na Applied Materials, na Eagle Bulk Shipping e em algumas outras, mudam o rumo das coisas.
"Alta de US$ 210", diz ele, retirando os fones. Descontando as comissões, ele ganhou US$ 60. É difícil dizer quantos "day traders" operam hoje nos EUA. As corretoras de valores monitoram a atividade e as estatísticas de seus clientes, mas relutam em divulgar os dados. O máximo que se sabe é que os "day traders" tendem a ser homens, e que o número de transações por cada US$ 100 mil em dólares dos clientes é um pouco inferior a metade do que era em 2000, segundo a corretora Charles Schwab. Mesmo essa cifra parece alta.
Gomez e Lindloff estão entre os poucos que entraram para o "day trade" no final da década de 1990 e nunca mais pararam. Durante anos, Gomez foi gerente de uma empresa de aluguel de depósitos, mas não resistia a operar no mercado de commodities durante o expediente e tinha dificuldade em manter a cabeça no trabalho. Lindloff trabalhou vários anos numa concessionária Isuzu, e depois fez vendas de porta em porta para a corretora Edward Jones. Saiu depois de três meses. "Eu sabia que queria operar no mercado", disse.
Se eles são bons? Lindloff, que, segundo Gomez, é o mais habilidoso da dupla, diz ter ganho em média US$ 100 mil a US$ 120 mil por ano nos últimos dez anos, mesmo durante a pior fase da recessão. Com poucas despesas, vive confortavelmente, mas sem extravagâncias.
"Basicamente tenho de US$ 80 mil a US$ 100 mil na minha conta de 'trading' todos os dias e tiro meus rendimentos dessa conta para viver", explicou.
Ele tem certamente um desempenho que supera todas as probabilidades. Um grande volume de estudos aponta para a mesma conclusão: operar no mercado é prejudicial à sua riqueza, conforme descreveu de forma memorável um trabalho acadêmico. Os perdedores são muito mais numerosos que os vencedores.
Exatamente quão mais numerosos é algo revelado em um estudo inédito, feito com a ajuda da Bolsa de Taiwan. Os autores peneiraram dezenas de milhões de negócios, de 1992 a 2006 e concluíram que 80% dos operadores ativos perderam dinheiro.
"Mais importante, descobrimos que, se você olhasse o desempenho passado desses operadores, apenas 1% deles poderiam ser chamados de previsivelmente lucrativos", disse o coautor Brad Barber, professor de finanças da Universidade da Califórnia, em Davis. Os demais, ao que parece, estavam numa efêmera fase ganhadora. Mesmo os que se saíram modestamente bem viram os seus lucros evaporarem ou até tiveram prejuízos, por causa de comissões e impostos.
"Não é impossível ganhar dinheiro operando ativamente no mercado", prosseguiu Barber. "Há uma pequena fatia de pessoas por aí que é bastante boa. E todo o mundo acha que estará nesse grupo de 1%."
Então, por que as pessoas persistem?
"O termo técnico é busca por emoções", afirmou Hersh Shefrin, professor de finanças comportamentais na Universidade Santa Clara, da Califórnia, e autor do livro "Beyond Greed and Fear" ("Além da cobiça e do medo"), que analisa a mentalidade dos investidores.
Além disso, disse ele, "as pessoas gostam de operar".


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