São Paulo, segunda-feira, 05 de abril de 2010

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Caixa-preta vai instigar a memória

Por YUDHIJIT BHATTACHARJEE
PITTSBURGH - Em uma tarde fria e úmida recente, Aron Reznick estava sentado na sala de um lar para idosos de Pittsburgh, com sua memória enevoada.
Dois anos atrás, Reznick, 82, que sofre do mal de Alzheimer em um estágio precoce, se inscreveu para uma experiência destinada a ajudar quem padece deste e de outros distúrbios de memória. O conceito era simples: usar imagens digitais e áudio para registrar uma experiência, como a visita dos netos no fim de semana, criar um resumo do conteúdo resultante, escolhendo imagens cruciais, e revê-lo periodicamente para despertar e reforçar a lembrança do fato.
O hardware é uma pequena caixa-preta chamada SenseCam, que contém uma câmera digital e um acelerômetro para medir o movimento. Usada como um pingente no pescoço, ela foi desenvolvida no laboratório de pesquisas da Microsoft em Cambridge, Reino Unido.
A empresa britânica Vicon, que licenciou a tecnologia, está vendendo a versão para pesquisadores. Para os idosos, isso poderá trazer um novo tipo de relacionamento entre a mente e a máquina: enquanto as placas amilóides se depositam no cérebro, a experiência cotidiana é depositada em silício, e depois recuperada.
Em Pittsburgh, os pesquisadores fizeram Reznick ir a três passeios com uma SenseCam no pescoço, um gravador de voz no bolso e um GPS. Em um passeio, ele visitou uma exposição com sua mulher, Sylvia, seu filho e uma neta.
A SenseCam tira centenas de fotos em um curto período. Embora o exercício tenha ajudado a melhorar a retenção de uma experiência, ficou evidente que uma melhor maneira seria enfocar algumas imagens-chave que poderiam destravar as memórias ligadas a ela. A natureza interativa dessa abordagem daria aos pacientes um maior sentido de controle de suas lembranças e lhes permitiria revisitar experiências passadas.
Anind K. Dey, professor de ciência da computação na Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh, e Matthew Lee, estudante de graduação, criaram certas regras para identificar e recuperar imagens que poderiam servir como gatilhos da memória.
Para uma experiência baseada em pessoas, como uma reunião de família, o sistema escolhe fotos em que os rostos são claramente visíveis; para uma experiência baseada em um lugar, como uma visita ao museu, ele usa posições geográficas fornecidas pelo GPS e dados do acelerômetro para julgar que imagens são mais importantes.
Alan Smeaton e colegas da Universidade da Cidade de Dublin, na Irlanda, estão comparando as imagens para classificá-las por atividade -fazer compras, por exemplo-, de modo que o sistema possa montar um resumo visual do dia.
Na Universidade de Toronto, um grupo liderado por Ronald Baecker está investigando a utilidade de complementar as imagens da SenseCam com uma narrativa de áudio criada por uma pessoa querida do doente. Depois que o sistema seleciona algumas fotos entre as centenas tiradas, o cuidador peneira as candidatas, acrescentando pistas como uma voz gravada, narração verbal e legendas. O produto final é uma exibição de slides multimídia em um computador "tablet" que permite que o paciente, com um toque na tela, se aprofunde nas partes realçadas de algumas imagens.
Ao testar o sistema com os Reznick e dois outros casais, Lee e Dey descobriram que ele ajuda os pacientes a recordar eventos com maior vivacidade quando simplesmente reviam todas as imagens.
Em dezembro, Reznick reviu os slides de sua ida ao museu, mais de 18 meses depois do fato. Seus olhos brilharam ao reconhecer imagens. Quando ele chegou a uma foto anotada por sua mulher, ele balançou a cabeça e disse: "Eu me lembro disso".


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