São Paulo, segunda-feira, 05 de setembro de 2011

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Resquícios dourados da vida de um ditador


"Gaddafi não vivia como um homem rico, é verdade"


Tyler Hicks/The New York Times
Para os líbios que invadiram as propriedades de Gaddafi, há a sensação de finalmente reaver o controle de seu próprio país

DAVID D. KIRKPATRICK e KAREEM FAHIM

TRÍPOLI, Líbia - Muammar Gaddafi gostava de ser chamado de "Líder Irmão", embora seus quase 42 anos de governo tenham sido raramente fraternos, e sua liderança tenha deixado em ruínas um país cheio de petróleo.
Hoje, enquanto os antigos súditos do ditador líbio vasculham os palacetes, fazendas e mansões à beira-mar da família Gaddafi, as propriedades revelam detalhes de uma vida muito distante da que a população do país tinha, cheias de vestígios de riquezas e rivalidades.
Em uma fazenda, cavalos pastavam junto a estátuas de mármore de leões, tigres e ursos, e em um dia de sol escaldante veados se enfileiravam perto de uma piscina vazia.
Na casa de um dos filhos, Saadi, havia sinais de uma vida mundana em sua aparente frustração. Um homem que tentou ser atleta, soldado e produtor de Hollywood, Saadi tinha na cabeceira de sua "suíte master" o livro de auto-ajuda "Inteligência para o Sucesso", em inglês.
Diante do conhecido exibicionismo do coronel, as residências da Casa de Gaddafi não eram tão grandiosas quanto se poderia supor. Não tinham a falsa pompa dos palácios de mármore de Saddam Hussein. Não há colunas com as iniciais do coronel, ou punhos fundidos semelhantes a suas mãos, nem fossos com carpas vorazes.
Mas em Bagdá e em Trípoli os restos mortais do regime ainda projetam a distância entre o poder e os despoderados.
Enquanto rebeldes e moradores remexiam os detritos da vida dos Gaddafi, pairava uma sensação de reaver o país comandado pelo ditador que governou por mais tempo no mundo árabe -e falar o que pensavam, sem medo, sobre a nação que herdavam e o líder que esperavam ter deixado para trás.
"Para alguém tão rico, ele era muito barato", disse Fuad Gritli enquanto dirigia por um extenso terreno perto do aeroporto, conhecido como Fazenda, onde morava o coronel Gaddafi.
No santuário da Fazenda há vastos campos irrigados. Camelos vagavam sem restrição. Continuava de pé a tenda onde o coronel Gaddafi se reunia com dignitários estrangeiros, feita de lona decorada com imagens de camelos e palmeiras.
Os bombardeios da Otan destruíram uma casa inacabada em estilo marroquino, outras tendas construídas com lonas mais caras e prédios de concreto em estilo casamata para uso oficial.
Enquanto Gritli e um amigo dirigiam pelas estradas que pareciam não levar a lugar nenhum, balançavam a cabeça. Rebeldes percorriam um complexo ainda não seguro, assim como saqueadores.
"Não tínhamos permissão para chegar perto, nem até o portão", disse Gritli sobre os anos anteriores à revolta que destruiu o poder do coronel.
"Gaddafi não vivia como um homem rico, é verdade", disse Malik el Bakouri, um médico de 27 anos de Trípoli, enquanto passava dirigindo por um hotel onde jorrava água de um cano partido, em uma cidade que sofre com o desabastecimento. "Mas seus filhos, todas as pessoas de sua tribo e todas as famílias ao seu redor viviam bem, e viveram bem durante 40 anos."
As mansões de alguns dos filhos de Gaddafi sobre uma duna com vista para o Mediterrâneo não são requintadas; a tinta marrom nos deques do quintal está descascada, e elas têm arquitetura que remete aos anos 1970.
Mas para os jovens combatentes que percorreram os aposentos de um filho de Gaddafi, Hannibal, o luxo era suficiente para inspirar inveja em um país cuja riqueza foi dilapidada.
Sobre um bar de granito preto havia caixas de uísque e champanhe caros, todas vazias. O pátio dava para uma vista espetacular de águas cor de turquesa do Mediterrâneo.
"Tudo o que posso perguntar é por quê?", disse Serajeddin Zintani, carregando um rifle de fabricação israelense. "Por que não podemos tambémviver essa boa vida? Todos os dias você sai de casa e vê o mar."
Muatassim, outro filho de Gaddafi e o assessor de segurança nacional da Líbia, cercou-se de mais luxo. A entrada para carros, que tinha um chafariz com carruagens puxadas por quatro cavalos, levava ao bangalô da piscina, com colunas romanas na entrada e coberto por cúpulas douradas.
Mohamed al-Hutmani, que mora perto do local, caminhou pelos terrenos admirando os limoeiros e oliveiras que recobrem vários hectares da propriedade. "Não podíamos nem parar nossos carros nessa rua", ele disse. "Era impossível imaginar que eu entraria neste lugar."

colaborou David Kirkpatrick


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