São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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Tel Aviv se reinventa para além de conflito

Por DINA KRAFT e ETHAN BRONNER

TEL AVIV - O espaço de exposição é montado para apenas um espectador. Ele assiste a um vídeo que alterna a sofisticação de Tel Aviv, do lado de fora, com o caos sujo e barulhento de um posto militar na Cisjordânia.
Só uma reação é comum à mostra: a náusea. E fica claro que é esse mesmo o objetivo da artista, Miri Segal. Sua instalação, "Place de la Bonne Heure", é um dos destaques da Bienal de Arte de Tel Aviv-Jaffa, cuja realização foi programada para coincidir com o centenário dessa capital da cultura de Israel.
Não surpreende que, para comemorar seu centésimo aniversário, Tel Aviv esteja convidando artistas a levantar perguntas incômodas sobre a história e identidade da primeira cidade hebraica -que nasceu no vazio das dunas de areia como fuga das vielas estreitas e repletas de tensão do vizinho porto árabe de Jaffa.
Hoje, Tel Aviv é uma área metropolitana vibrante com 1,5 milhão de habitantes, bares, clubes gays e um horizonte reluzente de arquitetura brilhante. Mas a questão palestina nunca está distante. Dois curadores, um russo e um esloveno, abandonaram a bienal em resposta à ofensiva israelense na faixa de Gaza, em dezembro passado, e à rejeição de seu pedido para que seus colegas israelenses divulgassem uma declaração condenando a ação militar.
No recente Festival de Cinema de Toronto, cerca de mil artistas e ativistas assinaram uma carta de protesto, dizendo que Tel Aviv foi construída em cima da violência, ignorando "o sofrimento de milhares de antigos residentes" -referência aos palestinos que fugiram na guerra de 1948, que levou à criação do Estado de Israel.
Tel Aviv, a cidade mais politicamente progressista de Israel, forma um contraste com o conservadorismo religioso de Jerusalém. A cidade vota à esquerda e olha para a Europa. Muitos de seus habitantes desejariam sobretudo viver a vida de uma cidade mediterrânea quente -que Tel Aviv fosse, por exemplo, a Barcelona do Oriente Médio e que eles pudessem esquecer o conflito que acontece a poucos quilômetros de distância.
E eles conseguem, em grande medida. Por isso mesmo, no momento em que comemora seu centenário, Tel Aviv se engaja num debate não sobre seu passado, mas sobre seu futuro. Em meio à corrida para se radicarem ali, muitas pessoas questionam a construção de mais edifícios residenciais de luxo e prédios comerciais.
Um grupo de moradores vê esse tipo de desenvolvimento como ameaça ao ambiente fundamental da cidade e à manutenção dos custos de moradia em níveis acessíveis.
"O maior desafio urbano que enfrentamos hoje é a maneira como Tel Aviv quer crescer, que cria um conflito entre a cidade histórica, o ímpeto do crescimento vertical e o desejo de conservar a ecologia e não ceder ao trânsito", disse Jeremie Hoffman, diretor do departamento de conservação da cidade.
Hoffman vê Tel Aviv como uma aldeia urbana que está passando por um renascimento complexo. Sob o dinamismo e a construção, se dá uma conversa corrente sobre o crescimento em um lugar cujo clima é ao mesmo tempo sofisticado e caseiro. É uma cidade aberta aos pedestres e ciclistas, onde butiques de moda comandadas por estilistas jovens dividem o espaço com lojas de botões, sapatarias e restaurantes ao estilo antigo.
Gadi Shalom, 38, deixou o apartamento alugado em que vivia perto do centro da cidade e se mudou para outro que comprou num subúrbio próximo. Shalom queria continuar morando na cidade, mas os preços dos imóveis estavam fora de seu alcance. "Acho que as pessoas daqui prefeririam viver em outro país", disse ele. "E viver em Tel Aviv é o mais perto que se pode chegar a viver no exterior."

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