São Paulo, segunda-feira, 05 de outubro de 2009

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Teia de aranha dá origem a seda nobre

Por RANDY KENNEDY

Para alguém que possa estar pensando em entrar para o ramo têxtil usando como matéria-prima os filamentos extraídos das fiandeiras da aranha dourada do Madagascar, seguem algumas diretrizes a guardar em mente:
As maiores aranhas, as fêmeas, podem chegar a ter o tamanho de uma mão adulta pequena. Apenas as fêmeas produzem a seda, célebre tanto por sua bela cor de açafrão quanto por sua força tensorial (é até seis vezes mais forte que o aço de peso equivalente). As aranhas são notoriamente canibalescas e, se forem deixadas livres, podem reduzir toda a linha de montagem da seda a uma grande carnificina aracnídea.
Elas parecem não gostar de trabalhar no inverno, e, quando chove demais, sua seda fica viscosa e inutilizável.
E, se as aranhas da fábrica começarem a desaparecer misteriosamente, pode ser porque algumas pessoas no Madagascar acreditam que o consumo dessas aranhas, fritas, faz bem à garganta, ou que elas simplesmente são boas para se comer.
"Vivemos uma curva de aprendizado bastante acentuada, por assim dizer", disse o britânico Simon Peers, historiador da arte e especialista em têxteis que vive em Madagascar há duas décadas. Cinco anos atrás, ele e Nicholas Godley, estilista de moda americano que também está vivendo na ilha, iniciaram uma parceria para fazer o que ninguém tinha tentado havia mais de cem anos: usar aranhas para produzir seda, do mesmo modo como os casulos do bicho-da-seda vêm sendo usados há milhares de anos.
Recentemente, no Museu Americano de História Natural, em Nova York, duas mulheres afastaram cuidadosamente a proteção de plástico para mostrar o que foi realizado por Peers e Godley -além de mais de 1 milhão de aranhas e uma hábil equipe de intrépidos trabalhadores malgaxes. Trata-se de, um tecido de 3,4 metros de comprimento, brilhante e dourado -o primeiro exemplar de que sem tem registro de um têxtil tecido à mão e com brocado feito inteiramente com seda de aranhas, segundo especialistas do museu, em cuja Grande Galeria o tecido ficará exposto por seis meses.
Peers trabalha há anos para reativar as tradições de tecelagem pelas quais o Madagascar foi famoso no passado, e peças feitas sob sua direção já chegaram aos acervos do Museu Britânico e do Museu Metropolitano de Arte de Nova York, entre outros.
No final da década de 1890, no Madagascar, onde pescadores havia muito tempo já usavam a seda das aranhas para tecer redes e linhas de pesca rudimentares, um funcionário de uma escola técnica francesa montou outro projeto à base de aranhas, dessa vez extraindo a seda diretamente de aranhas vivas para ser usada na formação de fios. Consta que ele teria obtido seda suficiente para criar a roupa de cama de uma cama que foi exposta em Paris em 1900, mas que não existe mais.
"E isso foi mais ou menos o auge dos esforços feitos até aquele ponto -até que nós, como loucos, retomamos a ideia", disse Peers.
Peers, 51, e Godley, 40, montaram uma operação de extração da seda de aranhas, contratando pessoas locais para vasculhar o campo com longos bastões de bambu, recolhendo aranhas fêmeas vivas. Elas foram levadas até Godley, que montou um sistema pelo qual trabalhadoras -todas mulheres- manejavam cada aranha individualmente, suavemente puxando os fios dependurados de suas fiandeiras (provocadas, as aranhas mordem, mas suas mordidas não são perigosas).
Em seguida, cada aranha era colocada num arreio juntamente com 23 outras e ficava parada, enquanto uma bobina puxava o resto de sua teia, em fios contínuos que, em alguns casos, chegavam a ter 365 metros de comprimento.
Esses 24 fios eram, então, torcidos manualmente para formar um só e unidos em feixes de 96 fios cada, que funcionavam como a base do tecido. "Nem um único fio jamais se partiu no tear. São fortes assim", disse Godley.
E o que foi feito com as aranhas? Algumas morreram durante a produção, mas Godley e Peers disseram que montaram um sistema pelo qual as aranhas usadas eram soltas diariamente. Planilhas detalhadas registravam o número de aranhas utilizadas, sua produção e o índice de mortalidade.
"Viramos de certo modo defensores dessas aranhas", disse Godley, que se descreveu como sofredor convicto de aracnofobia, mas acrescentou: "Elas são criaturas de aparência majestosa".
Ele e Peers disseram esperar que o têxtil, que custou mais de meio milhão de dólares para ser produzido, seja adquirido por uma instituição pública e exposto (no momento está emprestado ao Museu Americano de História Natural). "Odeio soar pretensioso, mas nossa intenção foi produzir uma obra de arte", disse Godley.
Ele e Peers nutrem poucas ilusões, pelo menos até agora, quanto à possibilidade de converter sua obsessão em um negócio. "Eu poderia pensar em muitas maneiras mais fáceis de ganhar dinheiro."

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