São Paulo, segunda-feira, 06 de julho de 2009

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Para entender o tempo, o cérebro confia no ouvido

NATALIE ANGIER
ENSAIO

É fácil distinguir os sons "da" e "ba" quando pronunciados com clareza. Mas, se você mostrar um clipe em que a trilha sonora diz "da" enquanto a imagem vista na tela mostra uma boca dizendo "ba", as pessoas jurarão que ouviram "ba".
Se você pedir às pessoas que contem o número de vezes em que uma luz pisca, e então piscar a luz sete vezes juntamente com uma sequência de oito sons de bipe, as pessoas dirão que a luz piscou oito vezes.
Confrontado com informações conflitantes, o cérebro decide em qual sentido vai confiar. No primeiro cenário, a visão saiu ganhando. Mas, em questões que requerem uma análise temporal e exigem que se interprete sons semelhantes em seqüência, o cérebro reflexivamente se pauta pela audição.
Clique, clique, clique. Você pode ouvir uma série de cliques a 20 batidas por segundo e saber que são cliques separados, e não um som único e contínuo. Mas faça rodar uma série de imagens juntas a 20 quadros por segundo, e bem-vindo ao cinema.
Barabara Shinn-Cunningham, da Universidade de Boston, EUA, diz: "A resolução temporal de nossa visão é uma ordem de magnitude mais lenta que aquilo que nosso sistema auditivo é capaz de absorver".
Cientistas hoje acreditam que a origem da linguagem humana deve tanto a aprimoramentos no ouvido dos hominídeos primitivos quanto a fatores mais conhecidos, como modificações no trato vocal ou a expansão do cérebro.
Em uma análise molecular recente, John Hawks, da Universidade de Wisconsin, relatou que oito genes envolvidos na formação do ouvido humano parecem ter passado por alterações importantes nos últimos 40 mil anos. Apenas com uma infraestrutura auditiva altamente refinada, dizem os pesquisadores, é que nossos ancestrais puderam se sintonizar com as flutuações minúsculas em ondas de pressão que caracterizam toda a fala humana, o que dirá o latim corretamente conjugado.
Além disso, a avidez com que nosso sentido auditivo procura organizar o ruído ambiente em um padrão acústico dotado de significado pode ajudar a explicar nossa musicalidade distintamente humana.
Toda cultura humana já estudada produz música, mas a música não ajuda em nada a acalmar os animais. Evidências sugerem que muitos outros mamíferos, incluindo cães, gatos, roedores e macacos, são indiferentes à música e podem até mesmo não gostar dela. Num estudo feito com diferentes espécies de saguis, Josh McDermott, hoje do Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova York, constatou que, enquanto os macacos mostraram alguns sinais de preferir música de ritmo mais lento a melodias mais animadas, a "canção" favorita deles era o som de uma mão batendo palmas. "Eles podem estar ouvindo uma canção de ninar muito tranquila", disse McDermott. "Mas, se você der aos macacos a opção entre música e silêncio, a preferência forte deles é pelo silêncio."
Nosso sistema auditivo é uma obra de engenharia maravilhosa. Shihab Shamma, da Universidade de Maryland, argumenta que o cérebro interpreta sinais visuais e de áudio usando truques semelhantes. Por exemplo, ele procura as extremidades e a geometria global do sinal. "O que distingue uma vogal de outra é a forma do comprimento de onda que entra no ouvido", disse. "É análogo ao que distingue um quadrado de um círculo."
Diferentemente dos olhos, é claro, os ouvidos não se limitam aos estímulos sensoriais que estão diante do rosto.
"Como os sinais auditivos contornam os objetos, são de grande importância para a comunicação em ambientes repletos de coisas", disse Shamma.
Um pinguim localiza seu filhote, ou uma mãe humana localiza sua filha perdida, prestando atenção para ouvir seu choro. Se os ouvidos são nossos olhos na parte de trás da cabeça, talvez seja uma coisa boa o fato de esses "olhos" nunca piscarem.


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