São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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LENTE

Salvadores da civilização em choque

Se sua filha ainda não é um prodígio musical, ameace queimar seus bichinhos de brinquedo. Se ela se comporta mal, deixe-a passar frio fora de casa. Se em termos escolares ela ficar aquém da perfeição, obrigue-a a praticar 2.000 problemas matemáticos por noite.
Uma fórmula para o sucesso ou para o esgotamento mental?
Segundo Amy Chua, autora de "Battle Hymn of the Tiger Mother" (o hino de batalha da mãe-tigre), essa criação radical a coloca na linha de frente da luta para salvar a civilização.
Chua, uma sino-americana que leciona direto em Yale, causou alvoroço nos EUA ao contrapor a "mãe chinesa" à "mãe ocidental".
A primeira, na opinião dela, é rígida e punitiva, mas guia os filhos para feitos excepcionais; a outra é frouxa, indulgente e excessivamente preocupada em promover a autoestima.
Como argumentar contra o sucesso? Um estudo publicado em dezembro mostrou que, entre 65 países, alunos da China e da Coreia do Sul tinham os melhores resultados em matemática, ciências e leitura.
Os EUA apareciam em 15° lugar em leitura, 23° em ciências e 31° em matemática.
Alguns ocidentais aplaudem Chua. Num comentário no site do "New York Times", um professor de Greenfield, Nova York, escreveu: "A nossa é uma cultura de preguiça e de direitos. Outras culturas se saem bem porque se espera que todos se esforcem".
Já uma blogueira declarou: "Pais como Amy Chua são a razão pela qual asiático-americanos como eu estão na terapia".
Chua proíbe que suas filhas frequentem a casa de amigas para brincar ou pernoitar, o que levou David Brooks a escrever no "Times": "Tenho o problema contrário com Chua. Acredito que ela está mimando suas filhas".
"Praticar uma peça musical por quatro horas exige foco, mas não é nem de perto algo tão exigente do ponto de vista cognitivo quanto dormir fora de casa com meninas de 14 anos", acrescentou ele.
"Administrar rivalidades, negociar dinâmicas de grupos, entender normas sociais, navegar pela distinção entre si e o grupo -esses e outros testes sociais impõem exigências cognitivas que superam qualquer sessão intensa de tutoria ou uma aula em Yale." Brooks argumenta, então, que viver em grupo é essencial para o sucesso.
Outros argumentam que a "decoreba", sob ameaça de punição, pode embotar a criatividade.
Como expressou um comentarista no site do jornal americano "Wall Street Journal": "Você pode impor pela força bruta que qualquer criança aprenda piano, mas jamais vai ter um Jimi Hendrix desse jeito".
Até mesmo alguns asiáticos concordam. Numa recente viagem à China, Nicholas D. Kristof escreveu no "Times" que "muitos chineses se queixam severamente de que seu sistema mata o pensamento independente e a criatividade e invejam o sistema americano por promover a autoconfiança".
Obviamente, ambas as filosofias de aprendizado têm seus méritos.
As filhas de Chua são muito dotadas. A mais velha, Sophia, tem só 18 anos e já tocou piano no Carnegie Hall.
Mas até mesmo Chua, às vezes, amolece. Depois que sua caçula, Lulu, então com 13 anos, quebrou copos em um restaurante aos gritos de "Odeio minha vida, odeio você!", a mãe permitiu que ela fosse brincar na casa de amigas. E não é só isso, disse ela ao "Times": "Minhas filhas têm sei lá como se chamam aquelas coisas -iPods".

KEVIN DELANEY
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