São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2011

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SAÚDE & BOA FORMA

Quando a idade é inimiga dos médicos

Profissionais idosos deveriam passar por exames regulares

Por LAURIE TARKAN

Há cerca de oito anos, um cirurgião vascular de 78 anos operou na Califórnia uma mulher que, então, teve embolia pulmonar. O cirurgião não atendeu a chamados urgentes das enfermeiras, e a paciente morreu.
Mesmo depois de o hospital submeter o caso ao Conselho Médico da Califórnia, o cirurgião continuou operando por quatro anos, até que o Conselho finalmente o encaminhou para uma avaliação de competência na Universidade da Califórnia, San Diego.
"Fizemos um exame neuropsicológico, e estava muito anormal", disse William Norcross, diretor desse programa de avaliação de médicos, sem identificar o cirurgião em questão. Ele "tinha anomalias visuais e espaciais, não conseguia fazer movimentos motores finos, não conseguia reter informações, e seu QI verbal era muito menor do que o esperado".
Mesmo assim, "ninguém sabia que ele tinha um deficit cognitivo, e ele não achava que tivesse um problema", prosseguiu Norcross.
Um terço dos médicos americanos têm mais de 65 anos, e essa proporção deve crescer, já que muitos deles enfrentam dificuldades financeiras que desestimulam a aposentadoria.
Os médicos não são imunes à demência, ao mal de Parkinson, a derrames e a outros males do envelhecimento, e especialistas alertam que há poucas salvaguardas para proteger os pacientes de quem não deveria mais estar exercendo a profissão. "Tenho a impressão de que os leigos acham que existe algum mecanismo à prova de falhas que os proteja de médicos incompetentes", disse Norcross. "Não existe."
Em 2006, estudo concluiu que, em operações complicadas, a taxa de mortalidade era maior quando o cirurgião tinha 60 anos ou mais, embora não houvesse diferença entre médicos mais ou menos jovens em cirurgias de rotina.
"A medicina nunca teve realmente uma forma organizada de mensurar a competência do médico", disse Diane Pinakiewicz, presidente da Fundação Nacional para a Segurança dos Pacientes, com sede em Boston.
"Precisamos avaliar os médicos de forma sistemática e abrangente, com algum tipo de periodicidade."
Algus especialistas propõem avaliações cognitivas e físicas regulares para os médicos a partir dos 65 ou 70 anos, e um pequeno grupo de hospitais já instituiu esses exames. Alguns conselhos de especialidades solicitam que os filiados renovem seus certificados a cada sete anos e endureceram as exigências para isso. Mas tais medidas enfrentam resistências.
"Não acredito que a diminuição de competência atribuída unicamente à idade seja fator significativo no rendimento insatisfatório da maioria dos médicos com mau desempenho", disse Henry Homburger, 64, professor de medicina laboratorial na Clínica Mayo, em Minnesota. Na opinião dele, doenças mentais -como depressão e abuso de substâncias- e falta de atualização "superam muito a idade como causas do mau desempenho".
Há também quem duvide que um só tipo de exame seja capaz de avaliar médicos de especialidades diferentes.
"São necessárias mais pesquisas para definirmos qual combinação de questões cognitivas e motoras são importantes", disse Stuart Green, membro da comissão de ética da Academia Americana de Cirurgiões Ortopédicos.
As regras mais rígida adotadas por alguns conselhos de especialidades não valem para médicos mais velhos, que, no entanto, são estimulados a renovarem seus certificados voluntariamente. Poucos fazem isso.
Médicos com um deficit cognitivo brando podem não notar que têm um problema ou que sua atuação está piorando.
Os profissionais médicos têm a obrigação de denunciar erros dos colegas, mas, em geral, relutam em confrontar outros médicos, especialmente os mais velhos, que podem ter sido seus professores.
"Às vezes, temos empatia demais e sentimos dificuldade em tomar decisões difíceis quando precisamos", disse Norcross.
Os médicos costumam preservar colegas que estão ficando menos ágeis, colocando outro cirurgião na sala de operações ou revendo seus casos, disse Green.
John Fromson, diretor-associado de pós-graduação médica do Hospital Geral de Massachusetts, citou um caso em outro centro médico da Nova Inglaterra, onde os médicos notaram alterações cognitivas no chefe de medicina interna, de 77 anos.
Ele era muito respeitado e havia dado aulas à maioria dos médicos do hospital, que por isso relutavam em confrontá-lo. Preferiram então oferecer-lhe uma festa de aposentadoria, na esperança de que ele entendesse o recado. "Ele não entendeu", disse Fromson. "Continuou trabalhando."
Fromson, então, promoveu uma intervenção, em que quatro ou cinco colegas mais chegados falaram ao médico idoso com o máximo de compaixão possível.
"Reafirmamos nossa preocupação e nosso cuidado por ele, e pedimos a ele que entregasse sua licença médica", relatou Fromson. "Ele ficou bastante chateado, mas entregou."


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