São Paulo, segunda-feira, 07 de dezembro de 2009

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Afegãos descrevem a vida na "prisão negra" dos EUA

Cruz Vermelha não tem acesso aos detentos do local

Por ALISSA J. RUBIN

CABUL, Afeganistão - Uma prisão militar dos EUA no Afeganistão continua mantendo detentos, às vezes por várias semanas, sem acesso ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), segundo investigadores de direitos humanos e ex-presos da Base Aérea de Bagram.
O local, conhecido pelos detentos como "prisão negra", consiste em celas individuais de concreto, sem janelas, iluminadas apenas por lâmpadas acesas 24 horas por dia. Nas entrevistas, ex-detentos disseram que seu único contato humano se dava em dois interrogatórios diários.
"A prisão negra era um local perigoso e temível", disse Hamidullah, comerciante de autopeças em Candahar, que contou ter sido levado para lá em junho. "Eles não deixam que funcionários do CICV ou outros civis vejam ou se comuniquem com as pessoas mantidas ali. Como eu não sabia que horas eram, não sabia quando rezar."
A operação da prisão ilustra a tensão entre a meta do presidente dos EUA, Barack Obama, de melhorar as condições carcerárias, tão condenadas no governo Bush, e seu desejo declarado de dar aos comandantes militares maior margem de manobra para agirem. Obama assinou em janeiro uma ordem para eliminar as prisões clandestinas de sua agência de inteligência (CIA), mas isso não fechou a prisão de Bagram, operada pelas forças militares de Operações Especiais.
Ainda em meados deste ano, militares diziam que a prisão afegã e uma similar na Base Aérea de Balad, no Iraque, estavam sendo usadas para o interrogatório de presos de alto valor. E, recentemente, autoridades disseram que não há planos para fechá-las.
Em agosto, o governo limitou a duas semanas o tempo que os detentos poderiam passar nas prisões militares. Antes, os militares podiam obter prorrogações.
Os presos entrevistados foram mantidos por mais tempo, mas antes que a nova política entrasse em vigor. Hamidullah (que, como muitos afegãos, usa um só nome) foi libertado em outubro, após cinco meses e meio de prisão, sendo entre cinco e seis semanas na prisão negra, segundo ele.
Dois dos presos foram capturados antes da posse de Obama, mas outro foi detido em junho deste ano. Os três acabaram sendo libertados sem acusações. Nenhum disse ter sido torturado, mas afirmaram ter escutado sons de abusos, e certamente se sentiram humilhados e maltratados. "Eles batiam em outras pessoas na prisão negra, mas não em mim", disse Hamidullah. "Mas o problema é que não me deixavam dormir. Havia uma gritaria para que não se pudesse dormir."
Outros, porém, fizeram relatos de abusos no local, inclusive dois adolescentes afegãos que disseram ao jornal "Washington Post" que foram submetidos a agressões e humilhações pelos carcereiros norte-americanos.
Bryan Whitman, porta-voz do Departamento da Defesa, disse, em 28 de novembro, que os militares rotineiramente verificam acusações de abusos a detentos e que estão checando se os dois adolescentes que falaram ao "Post" haviam estado detidos.
Sem comentar especificamente sobre a prisão de Bagram, que ainda é considerada sigilosa, Whitman afirmou que a política do Pentágono exige que todos os detentos sob custódia norte-americana no Afeganistão sejam tratados de forma humana e de acordo com o direito internacional e dos EUA.
Os três ex-detentos entrevistados pelo "New York Times" se queixaram de continuarem presos por meses após o fim dos interrogatórios intensivos, sem saberem por quê.
A prisão negra é separada do centro de detenção de Bagram, que é maior e atualmente abriga cerca de 700 presos, a maioria em celas que acomodam 20 homens cada, e que ficou célebre para a opinião pública afegã como um símbolo de abusos. Esse centro será fechado até o começo de 2010, e os presos serão transferidos para uma nova prisão, ainda maior, como parte dos esforços do governo para melhorar as condições em Bagram.
Especialistas em direitos humanos dizem que a existência de uma prisão onde os detentos não têm contato com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha nem com suas famílias contradiz a iniciativa do governo Obama para melhorar as condições carcerárias.
"Manter as pessoas no que parece ser uma detenção incomunicável vai na contramão do compromisso do governo com uma maior transparência, responsabilidade e respeito pela dignidade dos afegãos", disse Jonathan Horowitz, pesquisador de direitos humanos do Open Society Institute.
Horowitz afirmou que "as necessidades da guerra exigem que os EUA detenham pessoas, mas há limites para como detê-las".


Colaborou Eric Schmitt, em Washington


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