São Paulo, segunda-feira, 08 de março de 2010

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Opositora rema contra a corrente no Camboja

Para a ex-ministra, "as pessoas têm consciência dos direitos das mulheres"

Por SETH MYDANS

MAK PRAING, Camboja - "Vou conseguir meus votos!", gritou Mu Sochua enquanto subia em uma estreita canoa. "Um por um."
Ela ia atravessar um pequeno rio no sul do Camboja, em uma recente escala em sua interminável campanha para a reeleição ao Parlamento, apresentando-se para eleitores rurais que nunca viram seu rosto.
A mulher mais proeminente da combalida oposição política do Camboja, Mu Suchoa, 55, faz campanha agora, três anos antes da próxima eleição, porque está quase totalmente excluída dos jornais e da televisão, controlados pelo governo.
"Somente 35% dos eleitores sabem quem ganhou a última eleição", ela disse. E não tem tempo a perder.
Sochua faz parte de uma nova geração de mulheres que está ganhando espaço nos sistemas políticos de países de toda a Ásia e outros lugares, de conselhos locais a assembleias nacionais e cargos ministeriais.
Como ex-ministra dos Assuntos das Mulheres, ela fez o possível para colocar as questões femininas na agenda do Camboja, que nos anos 1990 saía de décadas de guerra e assassinatos em massa. Mas perdeu sua plataforma pública em 2004, quando rompeu com o governo, e agora tem dificuldade para divulgar suas ideias ou para simplesmente obter atenção como candidata.
Ela diz que sua principal conquista, liderar mulheres a ocupar milhares de cargos governamentais, pouco fez para avançar as questões femininas em uma sociedade dominada pelos homens.
E, como dissidentes e figuras da oposição de muitos países, ela se viu com um novo encargo: lutar por seus próprios direitos. Conforme ganhava proeminência, as posições políticas que assumia se tornavam um maior problema para ela do que o preconceito de gênero havia sido.
Mais recentemente, ela se envolveu em uma bizarra troca de ações de difamação com o dominador primeiro-ministro do país, Hun Sen, em que saiu perdendo, como se esperava.
A disputa começou em abril passado na Província de Kampot, seu distrito eleitoral, quando Hun Sen se referiu a ela com a frase "cheung klang", ou "pernas fortes", um termo pejorativo para uma mulher no Camboja.
Ela o processou por difamação; ele a privou de sua imunidade parlamentar e a processou de volta. O processo dela foi rejeitado pelos tribunais subservientes do país. Em agosto, Sochua foi condenada por difamar o primeiro-ministro e multada em 16,5 milhões de riel, ou cerca de R$ 10 mil, que se recusou a pagar.
"Agora vivo na incerteza de se vou para a cadeia", ela disse. "Não vou pagar a multa. Pagar é dizer para todas as mulheres do Camboja: 'Quanto vocês valem? Um homem pode chamá-las do que quiser e não há nada que vocês possam fazer'."
Como adversária declarada do premiê, ela descobriu que sua participação prejudica qualquer grupo, ação ou demonstração com o estigma da oposição política.
"Minha voz mata o movimento", ela disse. "É meu fracasso. Hoje eu sou a face da oposição, a face de uma mulher na oposição. As mulheres dizem: 'Nós acreditamos em você. Nós a admiramos. Mas não podemos ficar com você porque o movimento morrerá'."
Durante seus seis anos como ministra dos Assuntos das Mulheres, Mu Sochua fez campanha contra o abuso infantil, o estupro conjugal, a violência contra as mulheres, o tráfico humano e a exploração de trabalhadoras mulheres. Ela ajudou a criar a lei contra a violência doméstica.
Em parte por causa de seu trabalho, ela disse, "as pessoas têm consciência sobre os gêneros. É uma nova palavra cambojana: 'gen-de'. As pessoas têm consciência de que as mulheres têm direitos".
Mas, no que se refere ao ganho de poder político das mulheres, ela disse, a proeminência não se traduziu em progresso para uma agenda feminina.
"Elas não se manifestam", disse. "É difícil falar sobre isso -não quero antagonizar as mulheres-, mas se elas sofrem com nosso silêncio, somos responsáveis. O que estamos fazendo para melhorar suas vidas? É aí que as mulheres podem prejudicar a si mesmas. Elas estão na política, mas fazem parte do problema ao se calar."


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